sexta-feira, dezembro 5, 2025

Caminhoneiro é culpado até que prove o contrário?

CuriosidadesCaminhoneiro é culpado até que prove o contrário?

A lei diz que todo cidadão é inocente até que se prove o contrário. Mas essa regra não parece valer para o caminhoneiro que, via de regra, é retratado como culpado em qualquer situação.

Um grande exemplo disso é um dado amplamente divulgado na imprensa nacional: caminhões correspondem a 4% da frota e estão envolvidos em 40% dos acidentes fatais. Esse é o dado. Mas o que se vê muitas vezes estampado por aí é que os caminhoneiros são RESPONSÁVEIS por 40% dos acidentes fatais. Aí não, né?

Um acidente com caminhão obviamente tem mais chances de acabar em óbito. Agora, se um carro invade a contramão, bate de frente com o caminhão, o motorista morre, a culpa é do caminhoneiro?

 

O caminhão atravessado no Rodoanel

Hoje, mais uma vez, o caminhoneiro teve que provar que não era culpado. Só que, até conseguir, já tinha sido julgado e condenado por alguns veículos de imprensa.

O fato: uma carreta foi atravessada no Rodoanel em São Paulo na madrugada, bloqueando todo o trânsito. O motorista disse para a concessionária que tinha sido sequestrado e amarrado em uma bomba.

A partir do fato, a polícia começa a investigar, chama o esquadrão antibomba e vai fazer seu trabalho. Além da hipótese de o motorista estar falando a verdade, trabalhavam também com a hipótese de surto psicótico do caminhoneiro. Até aí, a polícia está certa, ela precisa trabalhar com diversas linhas e não dá pra acreditar em todo mundo sem investigar. O problema é como isso saiu na imprensa, especialmente no G1 e O Globo.

Enquanto a manchete no UOL era: Carreta na pista causa interdição total de trecho do Rodoanel; há suspeita de bomba. Ou seja, relatando apenas o fato. No Globo o título era: Motorista atravessa carreta e bloqueia o Rodoanel em SP.

Até é verdade que o motorista fez isso mesmo, só que a forma como o Globo coloca já implica que o motorista fez por querer, fez porque queria causar, fez porque era um caminhoneiro malvado. Ou fez porque, para a sociedade geral, caminhoneiro é sempre culpado até que prove o contrário. Ou seja, só no título ele já foi julgado e condenado.

Enquanto UOL relata os fatos sobre o caminhoneiro
Enquanto UOL relata os fatos sobre o caminhoneiro
O Globo mostra motorista já como vilão
O Globo mostra motorista já como vilão

 

 

 

 

 

 

E ele era ou não culpado?

Depois ele foi retirado amarrado de dentro do veículo, o que aponta para a veracidade do relato do motorista. Em outras palavras, quer dizer que parece que ele disse a verdade desde o começo. Mas o estrago já está feito.

Quem leu apenas a primeira matéria enquanto estava parado no trânsito absurdo que o caminhão causou, já xingou todas as gerações da família daquele motorista. Que, aliás, estava vindo do Acre, que atravessou o país para garantir uma carga, que passou, provavelmente, horas de medo na mão de bandidos e achando que estava preso em bombas. Mas nada disso importava na hora de escrever a manchete. O importante é o clique, não importa às custas da saúde mental de quem.

 

Qual o efeito disso na sociedade?

Ao ver o motorista de caminhão como culpado sempre, a sociedade toma isso como verdade. A partir daí, passa a se achar no direito de tratar mal o caminhoneiro. Tem aquele que xinga na rua. Tem aquele que é o recebedor de mercadoria e é mal-educado com o motorista que chega. Tem o que, na posição de dono de empresa que recebe caminhão, não acha digno construir um banheiro decente, um local de alimentação. Ou ainda tem aquele empregador desses profissionais, que acha que pode pagar um salário de fome.

Esse tipo de abordagem cria na sociedade a imagem que caminhoneiro não merece respeito. E quem quer ser visto assim? Ninguém! Ou seja, é esse tipo de abordagem que ajuda a criar a situação que a categoria enfrenta hoje e da qual todo mundo está fugindo. Resultado de tudo isso: falta de caminhoneiros.

Mas por aqui seguiremos lutando para denunciar essas situações preconceituosas em relação à categoria, porque a gente sabe e respeita o quanto esse profissional move o Brasil.

E como diz Pedro Trucão: caminhoneiro é como oxigênio, a gente só se dá conta o quanto precisa, na hora que falta.

 

Editorial

 

Jornalista Paula Toco sentada em banco do motorista de caminhão pesado

Jornalista especializada em transporte comercial há mais de 15 anos.
Repórter do programa Pé na Estrada na TV (hoje no SBT) e coapresentadora do programa no Rádio (hoje na Massa FM). Mais de 300 mil seguidores nas redes sociais (Instagram + Tik Tok) onde fala de segurança e legislação de trânsito. Autora do livro “E se eles sumirem?” e palestrante de segurança no trânsito.

4 COMENTÁRIOS

  1. Disse tudo, as pessoas costumam julgar o motorista sem mesmo conhecer a classe. Muitos jornalistas costumam usar esses jogos de palavras para chamar atenção a qualquer preço, as custas de um pai de família. Parabéns pela iniciativa e pela percepção desta desigualdade entre imprensas.

  2. É ISSO MESMO, CAMINHONEIRO SEMPRE VISTO COMO O VILÃO NO TRÂNSITO, RECEBE UM PÉSSIMO TRATAMENTO DA POLÍCIA RODOVIÁRIA E PELA MAIORIA DAS EMPRESAS EM QUE VÃO DESCARREGAR.

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