quinta-feira, novembro 21, 2024

Dia das mulheres: eu quero é banheiro!

MercadoDia das mulheres: eu quero é banheiro!

Todo dia 8 de março é a mesma coisa, ganhamos parabéns, as vezes uma flor e muitos desejos de que nossa vida melhore e seja mais igualitária, mas, no dia seguinte, as dificuldades continuam ali. É claro que a vida da mulher melhorou muito nas últimas décadas, mas ainda temos um caminho longo pela frente. As mulheres da estrada que o digam. Caminhoneiras e esposas de caminhoneiros enfrentam os mesmos problemas dos homens e mais alguns, que elas contam nesta reportagem do dia das mulheres.

Veja também – você sabe quando a primeira mulher tirou CNH no Brasil? Veja essas e outras curiosidades sobre as mulheres no trânsito.

Banheiro – o grande vilão

 

Se mesmo para os homens o banheiro é uma das maiores questões na estrada, imagine para mulheres. Em muitos locais, simplesmente não há banheiros femininos, em outros, eles existem, mas ficam trancados.

 

Caminhoneira Andrea do RocioAndrea Do Rocio de Faria – Banheiro acho que deve ser a maior das questões pra nós profissionais. Não temos estrutura em postos e empresas. Quem viaja bastante já tem os lugares onde sabe que dá pra ter o mínimo de estrutura. Existem outras questões, mas que a gente consegue administrar. Só que banheiro não dá pra administrar.

Caminhoneira Andrea Oliveira

 

Andrea Oliveira – Nos postos de Teresina e João Pessoa não tem banheiros pra mulheres, só pra homens.

 

Caminhoneira Joelma

 

Joelma Qra JO – E quando tem banheiro, é trancado e ninguém sabe da chave. A desculpa é: “É que nunca vem mulheres aqui.”

 

Caminhoneira Solange Fenix

 

Solange Fenix – A dificuldade maior é banheiro feminino. Quando tem banheiro feminino, tem sanitário, mas não tem chuveiro.

 

Caminhoneira Simone de CassiaSimone de Cassia – Os banheiros que temos são praticamente todos trancados, quando tem, para homem não usar. Isso quando não somem com as chaves. Tem lugar que não tem banheiro para mulheres e a resposta é sempre a mesma: de que não vem motorista mulher aqui. Aí uso dos escritórios, mas é aquilo, tem que pedir benção pra meio mundo pra usar um banheiro. Mas como eu fui criada dentro de gabina, tomando toco de 40 dias pra mais com meu pai, com 3 anos ele me ensinou tomar banho sozinha. Não tinha banheiro pra mulher, ele sempre esperou na porta. Inclusive faz isso até hoje, o que me faz rir, porque olha minha idade.

 

Preconceito – ele ainda existe

 

O papel da mulher na sociedade já mudou muito. Se antigamente o lugar dela era em casa, hoje é, na teoria, onde ela quiser. Mas quem está no trecho sabe que nem sempre a mulher se sente bem-vinda no ambiente de trabalho.

Caminhoneira Eliana Leite

 

Eliana Leite – O preconceito ainda existe. Deveria haver cotas em empresas para contratar mulheres

 

Caminhoneira Angela BianconiAngela Costabile Bianconi – Com relação ao preconceito, existe sim. Outro dia, eu havia combinado de pegar um veículo para embarcar na minha carreta. Quando o proprietário soube que era uma mulher, na carreta, ele ligou na transportadora e cancelou o transporte. Azar o dele.

 

Caminhoneira JoelmaJoelma Qra JO – Preconceito existe e muito. Alguns têm dificuldade de aceitar que estamos na lida de igual para igual e tentam te prejudicar e incomodar. Muitos, ao ver mulher na direção, jogam o caminhão para cima, dificultam a ultrapassagem… coisas infantis e ao mesmo tempo irresponsáveis, pois além de atrapalhar, podem causar um acidente.

 

Gabriela - cristal (mulher de caminhoneiro)Gabriela – Eu sou esposa de caminhoneiro e hoje a minha maior dificuldade é que muitas usinas canavieiras não aceitam motoristas mulheres. Eu acredito que isso é um pensamento que deve ser mudado. O lugar de mulher é onde ela quiser, seja em casa, cuidando dos filhos e esperando o marido, seja atrás de um volante de caminhão. O meu pedido é para que os donos das usinas valorizem o trabalho das mulheres, para que muitas mulheres, assim como eu, realizem o seu sonho de ser uma motorista canavieira.

Entretanto, não dá para negar que a questão do preconceito já melhorou muito.

Caminhoneira Andrea do RocioAndrea Do Rocio de Faria – Preconceito já existiu muito, mas hoje já é mais comum mulheres em cargueiros pesados, então tudo é tirado de letra. Quando comecei, em 2002, quase não havia mulheres embarcadas em caminhões. Mas venci o preconceito, conquistei meu pedaço e hoje sou uma boa profissional.

 

Caminhoneira Simone de CassiaSimone de Cassia – Preconceito, se eu vi, não percebi. Sempre me trataram como uma profissional como eles. Dificuldades por aprender, sempre tive, e sempre tive humildade pra pedir ajuda e sempre fui ajudada com louvor, disso não tenho o que reclamar, muito pelo contrário, tenho muito a agradecer a todos que me ajudaram e ensinaram tanto.

 

Saudade da família – ela aperta pra todo mundo

 

Essa reclamação é comum a homens e mulheres, mas, socialmente, ainda é mais difícil para a mulher ficar longe da família para trabalhar.

 

Caminhoneira Andrea do RocioAndrea Do Rocio de Faria – O que acho mais importante é conciliar família com meu trabalho. Questão de viajar muito e quase sempre longe demais, nós mulheres acabamos muito ausente na criação dos filhos, na educação, na tentativa de sempre, por telefone, controlá-los, pra colocar eles sempre em bom caminho. Eu me sinto vencedora, pois venci o preconceito e consegui, entre trancos e barrancos, ser uma mãe que se orgulha de estar conseguindo formar os filhos em ensino superior  Mas não pensem que foi tudo de mão beijada, porque teve muito sofrimento, muitas vezes chorar na solidão da cabine e sempre pedindo a Deus pra ajudar nas situações.

 

Caminhoneira Simone de CassiaSimone de Cassia – Saudade, pra quem é mãe e tem filho pequeno, é complicado. Mesmo quando já são adolescentes, como os meus, a ausência pesa na criação. Por mais que a tecnologia ajude e facilite, não é o mesmo que estar com eles. Por exemplo, tá indo pra um mês fora de casa e a sensação é de ter perdido a ponta da corda em relação a eles. Aqui eu choro e ninguém vê, mas ninguém tem culpa disso, porque a escolha foi minha. Já o relacionamento com o marido fica bom, porque a gente chega morrendo de saudade e não dá tempo de cair na rotina.

Por falar em família, as esposas de caminhoneiros enfrentam outras questões.

 

Falta de local de espera – o maior problema de esposas e famílias de caminhoneiros

 

Cristal, esse é o nome pelo qual as mulheres de caminhoneiros são conhecidas no trecho, porém, o tratamento que elas recebem em muitas empresas está longe de demonstrar o cuidado que normalmente se tem com qualquer coisa feita desse material.

 

Gisele Vaz - cristal (mulher de caminhoneiro)Gisele Vaz QRA Dama de Ferro – Pelo que eu ouço, há algumas décadas a situação era outra. As empresas compreendiam a necessidade de viajar com as esposas. Mas, para mim, ser esposa de caminhoneiro na estrada hoje é uma frustração, uma humilhação. Quando uma esposa chega com o marido em uma empresa para carregar ou descarregar, na maioria das vezes a esposa é obrigada a ficar do lado de fora. Na rua, literalmente, seja de dia, seja de noite, independentemente do horário e do local. Mas eu acredito que isso vai ser bem melhor, porque estamos unidas para mostrar as empresas essa importância, para que as empresas se humanizem.  

Samara - cristal (mulher de caminhoneiro)

Samara dos Santos Ignacio – Eu, como filha e esposa de caminhoneiro, digo que o maior problema é a mulher ser barrada nas entradas de empresas. Pior, muitas vezes nem uma sala de espera pra nos oferecer tem! Certa vez, fiquei na chuva com meu filho pequeno em Camaçari.

 

Além de todas essas questões, a mulher na estrada também sofre dos mesmos males que os homens: medo de assalto, estradas ruins, pedágio caro, frete baixo, maus-tratos por parte de funcionários, corrupção policial, falta de policiamento e tantas outras questões. Porém, cada dia mais, mulheres percebem que mesmo com tudo isso, o transporte é uma opção para elas, e quem tem esse sonho, não deve desistir, já que cada vez mais as empresas estão abertas para elas, as máquinas exigem menos força física e as colegas do trecho estão sempre incentivando a chegada de novas integrantes nessa família de mulheres estradeiras.

 

Por Paula Toco

 

Jornalista Paula Toco sentada em banco do motorista de caminhão pesado

Jornalista especializada em transporte comercial há mais de 15 anos.
Repórter do programa Pé na Estrada na TV (hoje no SBT) e coapresentadora do programa no Rádio (hoje na Massa FM). Mais de 300 mil seguidores nas redes sociais (Instagram + Tik Tok) onde fala de segurança e legislação de trânsito. Autora do livro “E se eles sumirem?” e palestrante de segurança no trânsito.

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