A Marfrig, uma das maiores empresas de carne bovina do mundo, foi condenada pela Justiça do Trabalho a pagar R$ 1,7 milhão por dano moral coletivo ao impor jornadas excessivas aos motoristas.
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou examinar recurso da empresa que buscava extinguir ou reduzir a condenação.
O caso se iniciou, em 2012, no Ministério Público do Trabalho (MPT), em Goiás. Na época, foi ajuizado uma ação civil pública depois da constatação que a empresa descumpria as normas de saúde e segurança.
O ponto de partida foi uma ação trabalhista, em 2011, que revelou as condições da morte de um motorista em acidente rodoviário por trabalhar por muito tempo.
Em uma das evidências do processo, ficou comprovado que a maioria dos motoristas cumpria diariamente, de segunda a domingo, em média, jornadas que se iniciavam às 5h e que ultrapassavam a meia-noite. O motorista também reforçou que muitas vezes precisou dormiu no caminhão.
Como funciona o controle da jornada de trabalho
Conforme o artigo 62, da CLT, quem exerce atividade externa incompatível com a fixação do horário de trabalho não se enquadra no regime normal de duração do trabalho.
Segundo o MPT, a Marfrig não seguia essa regra e enquadrava os motoristas nesse dispositivo, embora fosse possível controlar a sua jornada por instrumentos como, por exemplo, sistemas de GPS. Por isso, a condenação entro em dano moral coletivo.
Saiba como é a jornada de um caminhoneiro
O processo contra a Marfrig se iniciou antes da aprovação da Lei do Caminhoneiro, também conhecida como Lei 13.103/2015, e que ganhou ajustes do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2023 (Saiba tudo sobre a lei dos caminhoneiros, também conhecida como lei do motorista neste artigo especial do Pé na Estrada).
Entre os tópicos modificados estiveram assuntos referentes a jornada de trabalho, pausas para descanso e repouso semanal.
Com as alterações do STF, a jornada de um motorista passou a ser limitada a 8 horas diárias, no máximo. Outro detalhe é que o caminhoneiro só pode dirigir por 5 horas e meia consecutivas, sendo necessário fazer pausa de no mínimo 30 minutos antes de retomar para a via.
A lei ainda determina que a jornada de trabalho dos caminhoneiros deve ser fiscalizada pelas empresas. O controle pode ser feito por meio de anotação em diário de bordo, papeleta ou por sistemas e meios eletrônicos instalados nos veículos. Logo, a responsabilidade de cuidar da jornada de trabalho dos caminhoneiros é das empresas de transporte.
A Lei do Caminhoneiro, também conhecida como Lei 13.103/2015, não deixou de lado a questão do pernoite. Ela estabelece que após um período de 24 horas de trabalho, o caminhoneiro tem direito a um descanso de 11 horas, sendo pelo menos 8 horas ininterruptas.
Se a viagem tiver um tempo maior que 7 dias, o caminhoneiro pode usufruir de um repouso de até 24 horas em hotéis, pousadas ou alojamentos. Já, o adicional noturno e válido para aqueles que trabalharem entre 22h e 5h. Neste caso o adicional noturno é de 20% sobre a hora de trabalhada. Vale destacar que horas trabalhadas interruptamente após às 5h, por exemplo, continuam sendo consideradas horas noturnas.
Conclusão da Condenação da Marfrig
O Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) manteve a sentença, destacando que a jornada era muito superior à regular e que o motorista havia trabalhado até de madrugada.
Segundo o TRT, ficaram demonstrados não apenas a possibilidade de fiscalização da jornada, mas também o efetivo. Documentos como “comprovante de compra de gado”, por exemplo, registram a data da compra, a data e o horário do embarque do gado, a fazenda, a data do abate, as distâncias a serem percorridas e o itinerário até o local.
O descumprimento de normas regulamentares colocava em risco a integridade física dos motoristas e, também, dos condutores que trafegam nas mesmas estradas.
A Marfrig buscou reverter a condenação no TST, mas a ministra Maria Helena Mallmann, relatora, reiterou que a questão da jornada de trabalho do motorista profissional diz respeito, além da saúde e da segurança dos trabalhadores envolvidos, à segurança das pessoas que trafegam nas rodovias e, consequentemente, a toda a sociedade.
Ela lembrou que o problema envolve diversos aspectos, como o custeio do sistema previdenciário e de saúde, pois a jornada exaustiva potencializa e amplia o risco de acidentes. No caso da Marfrig, a imposição da jornada excessiva contribuiu para a trágica morte de um trabalhador.
Pagamento de R$ 1,7 milhão e a justificativa do TST
Com relação à indenização, a ministra salientou que o TST vem consolidando entendimento de que a revisão do valor arbitrado nas instâncias anteriores somente é possível quando ele for excessivo ou irrisório.
A seu ver, o caráter punitivo e pedagógico da condenação está intimamente relacionado à situação econômica do ofensor: ela não deve ser demasiadamente alta, a ponto de impedir ou dificultar a continuidade da atividade econômica, mas também não pode ser módica, para evitar a reiteração da conduta. No caso, diante das circunstâncias relatadas e do porte da empresa, o colegiado entendeu que o valor de R$ 1,7 milhão não, era exorbitante.
A Marfrig vai recorrer
“A Marfrig informa que a decisão do TST é resultado de ação movida pelo Ministério Público do Trabalho em março de 2012 relacionada ao controle da jornada de trabalho dos motoristas carreteiros, anterior à Lei 12.619/2012. A empresa irá recorrer da sentença”.
A Lei 12.619/2012 foi sancionada em 30 de abril de 2012. Ela abrange temas como jornada de trabalho, tempo de direção, intervalos de descanso, infrações e penalidades. Além disso, a lei assegura direitos como acesso gratuito a programas de formação e aperfeiçoamento profissional, atendimento de saúde, proteção contra ações criminosas, serviços de medicina ocupacional, entre outros. No entanto, essa lei foi revogada pela Lei 13.103/2015, a atual Lei do Caminhoneiro.
Por Rodrigo Samy, com informações do Tribunal Superior do Trabalho
Jornalista especializado em veículos e apaixonado por motores desde criança. Começou a carreira em 2000, como repórter, nas revistas Carro e Motociclismo. Atuou por mais de 10 anos em assessorias de imprensa ligadas ao mundo motor. Foi editor do Portal WebMotors e repórter do Estado de S.Paulo. Hoje, trabalha com repórter e editor do Portal Pé na Estrada.