Deputados de São Paulo entraram com uma representação no Ministério Público Estadual pedindo mudanças no sistema “free flow”.
Os parlamentares criticam a implantação do “free flow” em São Paulo por ter ocorrido via decretos, sem debate público, com pouca informação.
Segundo eles, o modelo atual gera risco de cobranças excessivas em trechos curtos, encarece a logística e impõe custos desproporcionais aos usuários, o que exige, por exemplo, revisão urgente.
Free flow no Brasil: avanços, desafios e polêmicas
Entre as solicitações apresentadas estão as localizações e a quantidade de pórticos de cobrança, auditoria e correção de eventuais falhas, além da realização de campanhas educativas e da apuração de responsabilidades por parte das concessionárias.
O modelo de cobrança chegou ao Brasil em março de 2023, com a instalação dos primeiros pórticos na rodovia Rio-Santos, em três pontos no estado do Rio de Janeiro: Paraty (km 538), Mangaratiba (km 447) e Itaguaí (km 414).
No ano seguinte, São Paulo também passou a adotar a tecnologia. Em Itápolis, na rodovia Laurentino Mascari (SP-333) chegou o primeiro. Pouco depois, a EcoNoroeste inaugurou outro equipamento na rodovia Carlos Tonanni (SP-333), entre Sertãozinho e Jaboticabal.
O pagamento funciona de forma simples para quem utiliza TAGs como o Sem Parar: a cobrança é feita automaticamente na fatura.
Já os motoristas sem TAG precisam acessar os canais disponibilizados pelas concessionárias — como sites, aplicativos, WhatsApp e totens de autoatendimento espalhados pelas rodovias — e informar a placa do veículo para quitar a tarifa.

Na prática, o sistema substitui as praças de pedágio por pórticos equipados com câmeras e sensores de rádio frequência, capazes de identificar a placa e a categoria do veículo, aplicando o valor correspondente de maneira automática.
Como fica o free flow com o vale-pedágio?
O vale-pedágio obrigatório é uma exigência legal para o transporte de cargas no Brasil: o embarcador deve pagar antecipadamente o valor do pedágio, em separado do frete, para garantir que o caminhoneiro não arque com essa despesa.
Ou seja, como não há praças físicas, o pedágio é debitado automaticamente via TAGs ou precisa ser pago depois em canais digitais.
Isso contrasta com o vale-pedágio tradicional, que normalmente é vinculado a cupons, cartões ou créditos pré-pagos.
Inacreditável, mas ainda não existe uma regulamentação clara de como o vale-pedágio se integra ao free flow.
Por isso, atenção, se o sistema não estiver ajustado, pode acontecer de o motorista ter que adiantar o pagamento do pedágio (via TAG ou boleto) e depois buscar reembolso, o que contraria a lei do vale-pedágio.
O setor de transporte rodoviário, especialmente entidades de caminhoneiros e embarcadores, tem cobrado que a ANTT e o Ministério dos Transportes estabeleçam normas específicas para o uso do vale-pedágio no modelo free flow.
Portanto, o free flow ainda carece de ajustes legais e tecnológicos para se compatibilizar plenamente com o vale-pedágio, de modo que o custo continue a ser responsabilidade do embarcador, e não do motorista.
Audiência Pública para receber novas propostas
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) aprovou a reabertura da Audiência Pública nº 10/2024 para receber novas contribuições sobre a proposta de regulamentação do free flow.
A reabertura permitiu ajustes finais antes da implementação definitiva, incluindo harmonização com o Regulamento das Concessões Rodoviárias e lições aprendidas nos projetos-piloto.
O novo período para envio de contribuições será de 26 de agosto a 10 de setembro de 2025.
A sessão pública acontecerá em 2 de setembro, no auditório da sede da ANTT, em Brasília, com transmissão pelo canal da Agência no YouTube.
Como casar o vale-pedágio com o free flow
O vale-pedágio obrigatório foi instituído pela Lei 10.209/2001 e regulamentado pela ANTT. Ele é uma obrigação do embarcador (quem contrata o transporte), que deve antecipar o valor dos pedágios ao transportador, de forma separada do frete.
O objetivo é evitar que o caminhoneiro arque com essa despesa, garantindo previsibilidade nos custos e maior transparência no contrato.
Como funciona hoje
O embarcador calcula o valor dos pedágios no trajeto contratado.
O embarcador deve pagar esse valor antecipadamente, usando meios homologados pela ANTT: cartões, cupons eletrônicos, entre outros autorizados.
O motorista recebe esse crédito e o utiliza ao passar pelas praças de pedágio.
A fiscalização multa o embarcador que não fornecer o vale (R$ 5.000,00 por infração).
O problema com o free flow
No modelo tradicional do vale-pedágio, o sistema definia a cobrança em pontos específicos da rodovia, pensados para as praças físicas. No free flow, essa lógica muda:
- O sistema cobra os pedágios conforme a distância percorrida, e não por praças fixas.
- O valor exato só é conhecido após a passagem do veículo pelos pórticos.
- Isso gera incompatibilidade com o sistema atual do vale-pedágio, que exige antecipação do pagamento.
Impactos práticos
Insegurança jurídica: embarcadores não têm clareza sobre como calcular o valor antecipado.
Risco ao motorista: em alguns casos, o caminhoneiro acaba pagando via TAG ou boleto, ficando à espera de reembolso — o que fere a lei.
Concessionárias: algumas ainda não oferecem integração direta com os meios homologados de vale-pedágio.
Fiscalização: a ANTT também enfrenta dificuldade para monitorar o cumprimento da lei nesse novo modelo.
Então como fazer o casamento?
Regulamentação específica: entidades como a CNT (Confederação Nacional do Transporte), a NTC&Logística e sindicatos de caminhoneiros cobram que a ANTT estabeleça regras claras para o vale-pedágio no free flow.
Porém, tecnicamente, defende-se que as concessionárias disponibilizem integração em tempo real entre os pórticos e os sistemas homologados de vale-pedágio.
Assim, o embarcador pode pré-carregar créditos, e o sistema desconta automaticamente conforme a quilometragem rodada.
Enquanto não houver uma regra definitiva, motoristas e embarcadores convivem com soluções improvisadas, o que pode gerar litígios.
Em resumo: o free flow representa um avanço tecnológico, mas ainda não está alinhado ao modelo legal do vale-pedágio obrigatório.
Sem ajustes regulatórios, há risco de transferir o custo para o caminhoneiro, justamente o que a lei de 2001 buscou impedir.

Jornalista especializado em veículos e apaixonado por motores desde criança. Começou a carreira em 2000, como repórter, nas revistas Carro e Motociclismo. Atuou por mais de 10 anos em assessorias de imprensa ligadas ao mundo motor. Foi editor do Portal WebMotors e repórter do Estado de S.Paulo. Hoje, trabalha como repórter e editor no Portal Pé na Estrada.