A Transportadora Lunardi, de Xaxim em Santa Catarina, vem recebendo uma série de denúncias nas redes sociais sobre as condições de trabalho de seus empregados. Segundo os relatos, a empresa obrigaria seus motoristas a fazerem um faturamento mensal de R$ 32.000,00. Caso não alcançassem a cifra,há um cálculo que leva a uma diferença a ser descontada de seus salários.
Ainda segundo a denúncia, publicada na página de Gisele Vaz, diversos motoristas pretendiam fazer uma greve no dia 15/02 para cobrar melhores condições de trabalho. Porém, a empresa teria descoberto a iniciativa e demitido 12 motoristas por conta do ocorrido. Uma nota de esclarecimento também teria sido publicada pela Lunardi. Veja a seguir.
Após a denúncia, postada no Facebook no dia 6 de fevereiro, surgiram diversas outras e muitos motoristas conversaram com nossa reportagem.
Veja ainda: Transportadora é condenada após retaliação a caminhoneiro
“Eu pedi para a empresa me mandar embora, não queria encrenca com ninguém, mas aí eu estava em Feira de Santana e a empresa me mandou pra Ilhéus. Chegando lá, vazio, me mandaram voltar vazio pra Feira de Santana de novo. Quando cheguei lá de volta fui dispensado por justa causa, porque teoricamente eu causei motim por essa história de greve. Acontece que eu moro em Colatina, no Espírito Santo, e eles não me deram nenhuma condição de voltar pra casa. Me mandaram embora em Feira de Santana, na Bahia. Me mandaram tirar todas as minhas coisas do caminhão e eu não tinha como levar tudo aquilo pra casa. O cara do RH em Xaxim ainda pediu pro gerente da unidade chamar a polícia pra me tirar de dentro do caminhão, mas o gerente não acatou. Acabei conseguindo uma carona para casa. Em 26 anos de profissão, essa foi a pior empresa onde trabalhei.”
O relato é de Paulo Cesar dos Santos, que trabalhou na empresa por 1 ano e 4 meses e saiu no início de fevereiro. Ele confirma a prática de desconto para quem não faz o faturamento mínimo.
Qual a conta do desconto?
O motorista conhecido como Mineirinho ficou apenas quatro meses na Transportadora Lunardi. Logo que percebeu a prática dos descontos, relatou, pediu as contas.
“O salário era de R$ 2.660,00 + R$ 240,00 por semana de diária. Eles depositam no começo de cada mês e quando você chega na matriz tem o acerto de contas. Só que você tinha que ter um faturamento mensal de R$ 32.400,00. Então, no meu caso, somando os quatro meses eu fiz R$ 87.500 de faturamento, só que aí descontam pedágio, uniforme, uma tal de 5ª semana, seguradora e várias outras coisas. Então, no final, eu fiquei devendo R$ 450,00.”
Outro motorista, que não quis se identificar por ainda estar na empresa, conta que seu salário é depositado sempre no 5º dia útil de cada mês.Isso não falha.Porém,confirma que quando chega na matriz, o que pode levar mais de dois meses algumas vezes, precisa fazer o acerto de contas e é aí que chegam os descontos.
“Até hoje não entendi essa 5ª semana. Eles dizem que é porque tem mês que tem cinco semanas, e como o “normal” do mês é ter quatro, eles não teriam a obrigação de dar diária na 5ª semana. Então essa 5ª semana seria um adiantamento para que o motorista não passasse fome nesses casos. Eles fazem parecer que é um favor ainda” o motorista continua “Estou lá há 1 ano e 4 meses. Na teoria, a gente também poderia ganhar a mais se cumprisse as metas, mas isso é muito difícil de acontecer. Se somar todo o tempo, ganhei R$ 480,00 a mais que meu salário. Só que duas vezes eles quiseram descontar que eu não bati a meta. Uma vez queriam descontar R$ 300 e na outra, R$ 200.”
E como acontecem os descontos?
“Eles pedem pra você assinar um vale de adiantamento, como se você estivesse recebendo adiantado pra descontar no próximo salário. Eu me recusei a assinar as duas vezes, então, de mim, ninguém nunca descontou nada, mas tem colega que fica com medo de ser mandado embora e assina.”
Outra reclamação é que eles nunca sabem exatamente o que é descontado, pois a empresa não fornece um relatório e eles também não ficam com nenhum comprovante da transação.
Infarto ao volante
Marcio Antônio Oliveira Neto é outro motorista que corrobora as acusações. Segundo ele, que trabalhou na Transportadora Lunardi por quase 3 anos e foi afastado em 2017, a empresa não só faz os descontos como ainda obriga o motorista a trabalhar em qualquer condição. Marcio conta que em 2017 começou a se sentir mal durante a jornada, pediu então ao gerente permissão para passar em casa, no interior de São Paulo, e ir ao médico antes da próxima viagem. O pedido não foi atendido e ele foi mandado para Teresina, no Piauí. Na volta, ele infartou enquanto dirigia.
Ainda assim, levou o caminhão até sua casa e de lá procurou um hospital. No hospital, já foi direto para a UTI. Na verdade, Marcio já tinha sofrido quatro infartos. Nos quinze dias seguintes ele continuou internado e o caminhão continuou parado em frente de sua casa. Como a empresa não enviou alguém para buscá-lo, Marcio afirma ter pago um segurança para olhar o caminhão. Depois desse período, a empresa cortou o salário do motorista. Quando sua mulher, Simone, ligou para saber o porquê, afirma que o gerente de Xaxim, também chamado Marcio, llhe disse o seguinte: “O seu marido tá de manha e não quer trabalhar.”
Hoje o motorista segue em tratamento, pois em seguida descobriu um câncer. Simone ainda afirma que se a empresa fizesse exames periódicos, a doença teria sido descoberta antes.
Marcio também diz que a empresa os faz de escravos, pois além de descontar salário, não dá aos motoristas condições de voltarem a suas casas, por isso ele vendeu as 3 férias as quais teve direito enquanto estava na empresa. Sem isso, conta,ficaria nas ruas de Xaxim no período de férias. O caminhoneiro também diz que tudo era descontado, pedágio, uniforme, pneu e lavagem do caminhão. Uma vez, afirma ter pagado uma multa de caminhão clonado. A multa foi no sul do país enquanto ele estava no norte.
“Os caminhões eram sempre novos, mas eu queria era o meu salário. De R$ 3.000,00 que era o valor na carteira, eu recebia mesmo uns R$ 1.800,00. Como vou pagar minhas contas assim?”
O casal hoje processa a empresa.
Amanda Gaspar, filha de caminhoneiro, postou seu testemunho na internet. Segundo ela, o pai passou mal dentro da empresa em Xaxim. A transportadora então o colocou de carona em um caminhão com destino a São Paulo. Ao chegar no estado, quando seu irmão foi buscá-lo, ele estava havia dois dias sem levantar da cama do caminhão, sem beber água, já não conhecia ninguém e nem enxergava. O motorista faleceu logo depois, aos 48 anos. Hoje, a família também processa a empresa.
O alojamento
O alojamento em Xaxim é outro ponto de reclamação. Segundo os caminhoneiros, existem algumas camas no local, mas os colchões em cima delas são as camas tiradas dos caminhões. Outros colchões de caminhão ficam no chão, sem estrado. A temperatura média da cidade no inverno é de 13 graus.
Na parede, um aviso esclarece que a alimentação oferecida ali é dada apenas aos candidatos a vagas, ainda assim, eles precisam pagar R$ 5,00 para o cozinheiro. Os motoristas que já são da casa devem pagar R$ 7,00. O jantar é por conta de cada um.
Paulo Cesar conta que no alojamento ainda existem duas câmeras que, segundo ele, transmitem inclusive áudio, tirando a privacidade de quem está no local.
Além disso, o motorista afirma que quando estão em outras unidades,chegam a ficar parados mais de uma semana e também precisam providenciar a própria alimentação. Se quiser ter caixa cozinha no caminhão, também é por conta própria.
Espera por vaga
Um caminhoneiro, que não quis se identificar por ter medo de ser bloqueado pela empresa posteriormente, trabalhou na Lunardi por cerca de 5 meses e explica como funcionou seu processo de admissão na transportadora.
“Fiquei durante 30 dias no alojamento da empresa, que fica no interior da unidade de Xaxim, esperando uma vaga para ser contratado como motorista”. Nesse tempo, o motorista relata que não teve nenhuma ajuda de custo da empresa para se manter no alojamento e contou com a ajuda de familiares, que mandavam dinheiro para ele se alimentar ao longo dos 30 dias. Passado o período, ele foi contratado e teve sua carteira assinada pela Transportadora Lunardi.
Outra reclamação do estradeiro é em relação ao desconto do dia parado no salário. De acordo com ele, o valor do salário era de R$ 2.018,00 bruto. Durante a greve dos caminhoneiros, em maio, o motorista ficou parado por 10 dias. Quando resolveu pedir as contas, no segundo semestre de 2018, a empresa descontou R$ 1.050,00 por dia parado. “E não foi apenas na greve dos caminhoneiros que eles descontaram este valor.. Em qualquer época, se você fica dias parado esperando para descarregar, ao invés de pagar hora parada, eles descontam o dia”, relata.
Apenas em relação ao período da greve dos caminhoneiros, a empresa teria descontado R$ 10.500,00 do empregado. “Saí de lá devendo para eles”, ele conta. O motorista destaca ainda que a Lunardi é muito procurada por caminhoneiros que estão começando na profissão e nunca trabalharam no ramo, por ser uma das poucas empresas que não exigem experiência para contratação. “É uma armadilha”, ele adverte. “Muitos se submetem ao tratamento dado por eles por ser a única empresa da região que contrata motorista sem experiência”.
O outro lado
Entramos em contato com a Transportadora Lunardi e quem nos atendeu foi Adremar Baggio. Segundo ele, a empresa entende que as denúncias são tão absurdas que a Lunardi prefere não se posicionar. Ele destacou ainda que a frota da empresa é nova e os caminhões onde os motoristas fazem suas jornadas têm média de 2,5 anos.
Em um segundo contato, o proprietário da empresa, Iloi Lunardi, nos informou que a transportadora ainda está estudando como vai responder às denúncias. Segundo o empresário, nunca houve descontos nos salários dos motoristas, o desconto é apenas em cima da premiação. A empresa afirmou que deve preparar um documento com um posicionamento oficial sobre o assunto. Assim que publicado, o documento será anexado a esta reportagem.
Por Paula Toco
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