Frequentemente, recebemos aqui no Pé na Estrada vídeos de caminhões sendo saqueados. Um dos enviados que chamou a atenção foi o de um saque na rodovia, no momento em que todo o tráfego estava parado.
A imagem registra um caminhoneiro preso no engarrafamento e sendo saqueado por várias pessoas que se aproveitam da situação. O vídeo causou revoltas nos grupos de WhatsApp, de motoristas questionando a segurança nas estradas.
Veja que o vídeo, de um pouco mais de 2 minutos, parece não ter fim. Para quem está assistindo e está próximo de pessoas do trecho, é possível sentir impunidade, insegurança e revolta.
Para aprofundar mais no assunto e tentar entender o que está acontecendo, o Pé na Estrada procurou a autoridade daquela via e a administradora para nos responder sobre os casos que vem ocorrendo.
Frequência de saques de cargas
As cenas foram gravadas por um condutor próximo ao veículo na Serra do 90, Régis Bittencourt. Essa rodovia é um trecho da BR-116 que liga as cidades de Taboão da Serra e Rio Negro, passando também por Curitiba. Ela é considerada uma das rodovias mais perigosas do Brasil, segundo o Guia do TRC (Transporte Rodoviário de Cargas) para o transporte de cargas.
A Serra do 90, também conhecida como Serra do Cafezal, é uma região serrana que faz parte da Serra do mar. Ela está localizada entre os municípios de Juquitiba, região metropolitana de São Paulo, e Maracatu, no Vale do Ribeira.
Além da Criminalidade, a Serra do Cafezal é conhecida também como Serra da Morte, por conta dos altos índices de acidentes, congestionamentos de longa duração e assaltos.
Outra serra, a Serra do Azeite, localizada na BR-116, Régis Bittencourt, também é alvo de saques de cargas, pois trata-se de uma região que há baixo sinal de celulares e consequentemente de GPS (Global Positioning System). Como a ausência da conexão já é algo sabido por todos, bem ou mal intencionados, o local se torna mais vulnerável.
Semelhante à Serra do 90, a Serra do azeite tem saqueadores que ficam à beira da rodovia esperando os caminhões passarem ou pararem no trânsito. No vídeo que recebemos, podemos ver que esses grupos agem rapidamente quando têm a oportunidade de fazer o veículo parar.
O que dizem a concessionária e a autoridade sobre os saques nas estradas?
A concessionária responsável pela BR-116 é a Arteris. Ela respondeu em nota que a empresa apoia a Polícia Rodoviária Federal e que investe em dispositivos de segurança para combater esses crimes nas rodovias. Veja o que diz a concessionária sobre as câmeras de monitoramento de tráfego, tecnologia implantada para a segurança do usuário nas vias.
“Em 2020, foi desenvolvido um projeto na própria Rodovia Régis Bittencourt, na região de Taboão da Serra, onde as câmeras de monitoramento foram ‘treinadas’, por meio da inteligência artificial, a identificar eventos diversos no streaming das imagens. Desta forma, foi possível agilizar o monitoramento e também o atendimento aos usuários na pista, dando maior suporte para tomadas de decisões do operador do Centro de Controle e Segurança Operacional (CCSO), responsável por operar um total de 276 câmeras de monitoramento, ao vivo, 24 horas por dia.
No primeiro semestre deste ano (referência ao ano passado – 2023), foram 765 atendimentos realizados após detecção de incidentes com o uso das câmeras de monitoramento que, inclusive, servem de apoio ao trabalho ostensivo da PRF, inclusive em ocorrências que envolvam o saque de cargas. Após uma detecção desse tipo nas vias, os policiais são imediatamente acionados para seguir até o local, coibir o ato criminoso e garantir a segurança das vítimas e dos colaboradores que realizam os atendimentos na pista”.
Polícia Rodoviária Federal
A Polícia Rodoviária Federal apresentou dados de combate aos saques rodoviários de cargas otimistas em relação aos relatos de caminhoneiros que recebemos em nossos canais. Operações como Khonsu, são feitas nas rodovias, principalmente, na Régis Bittencourt, trecho da maioria dos relatos de São Paulo.
Conforme os dados da PRF, no ano de 2022 foram registrados 688 casos de saques de cargas, já em 2023 houve uma queda de 39,3%, com 417 casos combatidos com operações e reforço no policiamento.
A PRF ainda nos apresentou um método para que o motorista e as transportadoras evitem esses saques que é uma trava reforçada no baú. Para eles, essa trava seria uma forma de impedir que os ladrões abram o baú até que a Polícia chegue ao local.
Segundo a PRF, os indivíduos que saqueiam a carga aproveitam o trânsito congestionado ou lentidão por conta de obras, e que muitos deles não fazem o crime armados. Então, nesses casos como o do vídeo, a trava de segurança iria dificultar a ação dos criminosos de levar a carga até os agentes chegarem.
Será que a trava resolve?
A trava de segurança parece fazer sentido para dificultar a ação dos criminosos até a Polícia chegar, mas para alguns motoristas ela não é a solução. Ao conversar com um caminhoneiro o Pé na Estrada questionou sobre cadeados no baú e ele explicou o seguinte:
“Eu tenho um baú sider e não coloco cadeado nas portas porque se o cara vier me saquear ou quiser ver o que estou carregando e não conseguir abrir o baú, ele vai rasgar a lona. Para mim, é melhor que o criminoso consiga abrir o baú e leve algumas caixas do que ele rasgar a lona do caminhão, ou fazer os dois, que aí o prejuízo seria maior.
Além da reforma da lona ser cara, se o ladrão não conseguir abrir a traseira do caminhão, ele pode te render, o que acaba sendo mais perigoso que só o saque da carga”, explicou Willian Barros, de São Paulo.
Willian ainda diz que esse cadeado pode ser eficaz para quem tem outro tipo de baú, como é o caso dos baús fechados que só abrem a traseira mesmo. Já para ele, essa estratégia não é uma boa saída, pois pode ser mais perigoso para o motorista. Além do maior prejuízo, se for levado em conta que o saqueador está ali para levar a carga de qualquer maneira.
Como se previne a transportadora?
A JSL, por exemplo, uma empresa especializada em logística, conta com a tecnologia e o planejamento de rotas para evitar os saques. Segundo a Claudia Soares, gerente de operação da JSL, são usadas diversas medidas de segurança no transporte, incluindo também para motoristas agregados em alguns procedimentos.
“A JSL tem uma Central de Gerenciamento de Risco com monitoramento 24 horas sete dias por semana. Antes de cada viagem, a empresa realiza testes com segurança do veículo e dos equipamentos de segurança, como travas dos baús, rastreadores e sensores específicos. Cargas de maior valor podem ser protegidas com baús blindados, que provocam choques paralisantes caso sejam furtados ou sejam feitas tentativas de abertura de forma irregular.
Além disso, faz mapeamento e gerenciamento de rotas, selecionando as mais seguras e com menos riscos de roubos. Em casos de emergência ou ao serem detectados trechos considerados perigosos, o sistema indica rotas alternativas.
Os motoristas, por outro lado, recebem treinamento sobre procedimentos e cuidados com segurança assim que ingressam na JSL, passando por revisões periódicas desses procedimentos. Para aumentar a segurança, 100% da frota da própria possui rastreadores com teclados para comunicação com a Central, que também pode ser contatada via 0800 especial e grupo de WhatsApp, e controle de excesso de velocidade, sendo que este último também está presente nos agregados. Outra medida é que os veículos contam com sensores de fadiga, que evitam a condução quando o motorista apresenta sinais de cansaço”.
Projeto de Lei 3143/2023
Levando em conta o índice de saques de cargas, foi criado o Projeto de Lei 3143/2023, pelo Deputado Federal Kim Kataguiri (União/SP) que sugere um aumento na pena para furtos de cargas em rodovias. O PL altera o Decreto-Lei nº 2.848/1940 do Código Penal com a intenção de equiparar a conduta de saque de cargas nos crimes de furto e roubo.
Além das pessoas que se arriscam às margens da rodovia para saquear a carga, o projeto aborda a violência contra o motorista e as pessoas que estão na via. Como também a impunidade, já que essas áreas não têm sinal de aparelhos de comunicação e falta policiamento.
O Projeto agora tramita pela Câmara dos Deputados e foi recebido pela Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Foi apensado (projetos que tramitam em conjunto que tratem de matéria semelhante) ao Projeto 2008/2019 e deve seguir o processo legislativo até a sanção ou veto do presidente.
O que fazer por enquanto?
O vídeo que comentamos no começo gera muita revolta nos estradeiros, pois acontecem com frequência, principalmente, na Régis Bittencourt. O ideal é que não percamos a esperança nas autoridades, registrando e comunicando esses casos sempre que possível aos policiais.
Acompanhe aqui no Pé na Estrada o desfecho do Projeto de Lei 3143/2023, e nos conte aqui nos comentários quais providências você está tomando para evitar os saques de cargas nas rodovias. Se você já tem a trava de segurança para o seu baú e se realmente dificulta a ação dos criminosos.
Por Thaís Corrêa
Filha de caminhoneiro, recém-formada em jornalismo, resolveu usar a comunicação para manter a classe bem informada e, com isso, formar novas gerações de motoristas profissionais cada vez melhores para o futuro do país.