O ministro de Minas e Energia anunciou o aumento da concentração do biodiesel no diesel para 12% a partir de abril. A decisão foi tomada em reunião do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) desta sexta-feira (17 de março). A estratégia tem sido discutida desde final de fevereiro permeada por muita polêmica por parte de entidades relacionadas ao transporte, produção de combustíveis e representantes do governo.
Como a polêmica do biodiesel começou
Em meados de fevereiro deste ano, o Governo Federal, na figura do vice-presidente Geraldo Alckmin, também Ministro da Indústria e Comércio, anunciou ser favorável ao aumento da concentração de biodiesel para 15% no diesel. Desde então, o tema tem gerado polêmicas, debates e posicionamento de meios midiáticos, entidades relacionadas ao transporte e produção de combustíveis. A situação foi até parar na justiça.
Nada estava certo até então, pois dependia de decisão conjunta entre o governo e o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética). No discurso, uns defendiam que a medida poderia contribuir para transição energética, favorecer a agricultura familiar, entre outros benefícios. Do outro lado, a crítica de que a estratégia teria sido cogitada para favorecer produtores de biodiesel e que poderia contribuir ainda mais para o aumento nas emissões de gases do efeito estuda.
Entenda o aumento da concentração de biodiesel
O biodiesel é um combustível alternativo produzido a partir de óleos vegetais e gordura animal. Desde 2008, é obrigatória a adição de um percentual desse componente ao diesel A para a comercialização. Com a mistura, temos o diesel B, que é vendido nas bombas.
Essa mistura foi determinada na PNPB (Política Nacional de Produção e Uso do Biodiesel). A PNPB foi lançada em 2005 e até 2007 não havia obrigatoriedade da concentração. Em 2008, passou a ser exigido o percentual de 2% e o aumento deveria ser progressivo. Já em 2020, o percentual de biodiesel ao diesel chegou a 12%, mas foi reduzido em setembro do mesmo ano para 10%.
Ainda em 2020, voltou a subir, até alcançar 13% em 2021. Em seguida, retornou aos 10%, teor mantido até o momento. Nessa última redução, o argumento do governo foi de conter o aumento no preço do diesel para o consumidor, já que a soja, um dos componentes usados no biodiesel, estaria mais cara.
Apesar das discussões, o cronograma para progressão da concentração está atrasado, pois em abril deste ano já deveria estar em 15%. Nesta reunião do CNPE de hoje, esse calendário foi flexibilizado, sendo o acréscimo para abril de 12%, avançando para 13% em 2024, 14% em 2025 e 15% em 2016.
Por que o aumento da concentração de biodiesel no diesel seria ruim?
Como vimos, 2022 foi um ano de muita oscilação no preço do diesel, que ficou até mais caro que a gasolina, o que não ocorria em 12 anos. Há tempos, a progressão e oscilações no teor do biodiesel têm suscitado debate por parte de diversas entidades, que alertam para a necessidade de estudos que apontem o limite para a mistura ao diesel. Concentração que não traga outros impactos que vão além do aumento do preço do combustível.
O Pé Na Estrada tem acompanhado o posicionamento de tais órgãos, que apontam para os riscos da maior concentração de biodiesel ao motor dos veículos.
CNT foi a primeira a se manifestar
A CNT (Confederação Nacional do Transporte) foi a primeira a se pronunciar com a possível elevação da concentração do biodiesel para 15%. A entidade, que reúne 27 federações e 5 sindicatos nacionais ligados ao transporte brasileiro, lançou uma nota na mesma semana.
No documento, se colocou contra a medida do governo justificando a ampliação da poluição atmosférica, custos adicionais ao valor do frete e danos à mecânica dos veículos, como panes, que poderiam impactar na segurança viária do transportador.
O órgão pediu ainda a elaboração de estudos que apontem o teor adequado do biocombustível que não afete os aspectos mencionados acima. Ainda em seguida, a Confederação lançou uma plataforma em seu site com o painel dos combustíveis, que traz análise de preços, produção, exportação e importação, venda e informações técnicas, incluindo o histórico da progressão do teor de biodiesel no Brasil.
Nesta mesma plataforma há uma série especial de estudos sobre aspectos que impactam no preço do diesel no Brasil. Na primeira publicação, o documento aponta que a evolução da produção de biodiesel cresceu de 0% em 2005, ano do lançamento da PNPB, para mais de 6% em 2022.
Mesmo com esse crescimento, uma queda foi registrada entre 2021 e 2022, anos em que houve oscilação no teor entre 10% e 13%, conforme descrito anteriormente. Esse primeiro volume do estudo não detalha se o biodiesel barateia ou encarece o diesel B, comercializado nas bombas.
Leia aqui a primeira nota da CNT
CNT e demais entidades
Uma semana depois do posicionamento, a CNT lançou outra nota, aprofundando os apontamentos sobre os impactos da ampliação para 15% do biodiesel à mistura. Dessa vez, o texto foi em conjunto e assinado pelas seguintes instituições:
- Brasilcom (Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Gás Natural e Biocombustíveis);
- Abimaq (Associação Brasileira da Industria de Máquinas e Equipamentos);
- Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores);
- Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis);
- SindTRR (Sindicato Nacional dos Transportadores Revendedores Retalhistas);
- Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes);
- NTC & Logística (Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logísticas);
- Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores).
A carta é bem direta ao usar o termo “indústria do biodiesel no Brasil” para designar um grupo que está fazendo pressão ao CNPE. Segundo o documento “Esses agentes econômicos buscam acobertar seus reais interesses: garantir uma reserva de mercado contra a concorrência de biocombustíveis mais modernos“.
O trecho acima se refere ao HVO (Hidrogênio Verde) que poderia ser produzido com a mesma base de biomassa usada no biodiesel. No entanto, o grupo de entidades considera que discussão sobre esse combustível sustentável não tem avançado, uma vez que os produtores de biodiesel não querem “perder seu lucro“, afirmam na carta.
O documento ainda compara o teor de biodiesel adicionado ao diesel em outros países, que não ultrapassa 5%. O texto sugere que 7% seria a concentração que garantiria a redução de emissões com preservação do motor.
“Esses prejuízos se dão em virtude do desgaste prematuro de peças veiculares; da descompensação ambiental das emissões de poluentes; e da onerosa participação do biodiesel no preço final do diesel comercializado“, conforme trecho extraído do documento.
Por fim, fornece uma espécie de parecer técnico explicando que as características do biodiesel produzido, hoje, no Brasil, gera problemas como a criação de borra com alto teor poluidor.
Clique aqui para ler a nota na íntegra
Por que o aumento da concentração de biodiesel no diesel seria bom?
Governo Federal e Ministérios
Além do vice-presidente e também Ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, outros membros da União reforçaram o debate a favor do aumento na concentração do biodiesel ao diesel. Um deles foi Paulo Teixeira, do MDA (Ministério Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar).
Teixeira afirmou, em uma reunião da FPBio (Frente Parlamentar Mista do Biodiesel), que pretendia defender a medida para o CNPE. Ainda incluiu o Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates no discurso. Segundo ele, ambos seriam favoráveis a expansão dos biocombustíveis no país. Lembrando que Fávaro também é membro da Comissão de Política Energética, que decidiu pelo aumento para 12%.
Segundo o gestor do MDA, além do ganho ambiental, agricultores familiares de várias partes do país poderão ser beneficiados porque integram a cadeia produtiva do biodiesel. Outro ponto que tem destacado é que a maior produção do combustível sustentável significará maior oferta de proteína animal para consumo da população a um preço menor, mas não especificou o porquê dessa consequência. Tudo isso foi divulgado em matéria do site do Canal Rural, no fim do mês de fevereiro.
A UBRABIO (União Brasileira de Biodiesel e Bioquerosene) também publicou matérias mencionando o apoio do Ministro dos Transportes, Renan Filho, e da Ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos à medida do governo.
De acordo com as notícias, Renan prometeu levar a discussão adiante, ouvindo a opinião do Presidente da República. Segundo informações da FPbio, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e Renan Filho, receberam os representantes da Frente para debater o aumento. Ois dois ministros também confirmaram que participariam da reunião do CNPE de hoje.
União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene
A UBRABIO se manifestou às notas emitidas pela CNT, citadas em tópicos anteriores dessa matéria. Segundo o órgão, as entidades que criticaram o biodiesel não explicam quais são as bases técnicas e documentais que sustentam as afirmações.
“Nenhum dano a máquinas e motores foi comprovado pela ação direta ou indireta da utilização do biodiesel nas misturas já aprovadas pelos fabricantes de motores e equipamentos e pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e pela ANP“.
Segundo a entidade, o biodiesel já tem parâmetros mais severos que os praticados na Europa e que o biocombustível atende à Resolução 45/2014 da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Por fim, afirmou que é preciso diminuir a dependência externa e que entre 2008 e 2022 o biodiesel permitiu a redução na importação de 47 bilhões de litros de diesel fóssil.
Clique aqui para ler a nota na integra.
Polêmica chegou à justiça
No site BiodieselBR encontramos a informação de que a UBRABIO, ABIOVE (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) e APROBIO (Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil) elaboraram uma notificação extrajudicial cobrando os autores da nota conjunta divulgada pela CNT que apresentem os estudos técnicos em que se basearam para a construção do texto.
Segundo apuração do site, a notificação foi protocolada no dia 13 de março e entregue aos citados no dia 14. Contando dessa data, as entidades teriam 48 horas para atenderem à demanda. Em teoria, o prazo terminaria hoje, mesma data da reunião com da CNPE, mas não encontramos atualizações sobre o fato.
Por Jacqueline Maria da Silva com informações da CNT, Canal Rural e Yahoo Finanças.