Todos sabemos que direção e álcool não combinam, certo? Mas, infelizmente, os condutores seguem abusando desse tipo de imprudência nas rodovias brasileiras, o que vem ocasionando cada vez mais casos de autuações e acidentes envolvendo motoristas embriagados pelas estradas, mesmo tendo ciência dos riscos.
Dessa forma, surgem alguns questionamentos: Qual é o motivo para o número de casos crescer tanto? É a imprudência dos condutores, a falta de rigidez na fiscalização ou a lei é branda demais com quem comete esse tipo de infração? Como conscientizar melhor os motoristas para que haja uma queda no número de problemas por ingestão de álcool no trecho?
O crescimento nas autuações em 2022
De acordo com dados cedidos pela Polícia Rodoviária Federal, via Lei de Acesso à Informação, até o momento, 31.428 motoristas foram autuados nas rodovias federais por dirigirem alcoolizados em 2022. Em apenas sete meses, os registros deste ano já se aproximam dos números totais de 2012, que fechou o ano com 31.792 condutores autuados por trafegar sob efeito de álcool, ficando atrás apenas dos anos de 2014 (34.286 infratores) e 2013 (38.901 infratores), os dois líderes nos números.
Esses condutores foram autuados nos Art. 165. que pune o infrator que: “Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.”
Além disso, já foram realizados 1.373.825 testes em todo o país nos seis primeiros meses de 2022, sendo que 19.093 condutores se recusaram a fazer o teste do bafômetro e, por isso, tiveram sua habilitação suspensa. Vale lembrar que a suspensão do direito de dirigir devido a recusa do teste está prevista no Art. 165-A: “Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277”
Segundo o anuário da PRF, no ano de 2021, 4.629 acidentes foram provocados por condutores que dirigiam sob o efeito de álcool ou drogas. E 22.482 pessoas foram autuadas por se recusarem a soprar o bafômetro. Esses sinistros provocaram a morte de 220 pessoas e deixaram outras 3.896 feridas, 990 delas com gravidade.
O caminhoneiro Ademir Bernardo (QRA: Junior), que trabalha no transporte de peças para montadoras na região do ABC Paulista, cita a efetividade da lei seca no trecho, mas destaca o abuso de alguns motoristas não apenas com bebidas alcoólicas, mas também com drogas e afirma que outros condutores também deveriam passar por exames toxicológicos:
“Acho que a Lei Seca é efetiva sim, mas poderia ter mais fiscalização. Hoje a questão não é apenas a bebida, mas também o uso de drogas na estrada. O pessoal tá abusando demais, sempre colocam o toxicológico apenas pro caminhoneiro, mas não é só o caminhoneiro que usa droga né? Aí não resolve, não é só o caminhoneiro que usa droga. Outras pessoas, que trabalham e tem outras profissões, também usam e bebem e vão para as rodovias né?”
Nesse sentido, o estradeiro sergipano José Ailton Bispo de Jesus (QRA: Amado Batista) também destaca a insegurança e afirma que o maior prejudicado, no fim, são os condutores que não consomem álcool nas estradas:
“É complicado, as pessoas bebem e não pensam no próximo. Não é todo mundo que pensa, infelizmente. Quem tá arriscando a vida na estrada é a gente que não está bebendo, né?”
Como explicar o aumento dos casos nas rodovias brasileiras ?
Mesmo sabendo de todos os riscos existentes, os motoristas persistem em trafegar embriagados, colocando a sua e outras vidas em risco. O Dr. Alysson Coimbra, médico especialista em medicina do tráfego e diretor da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (AMMETRA) afirma que o crescimento de casos de alcoolismo pode ser algo ligado a problemas gerados pela pandemia e ao alto nível de estresse da profissão:
“As pessoas ficaram muito tempo confinadas, a pandemia trouxe casos de ansiedade, depressão e as vias de escape para alguns foram o consumo de álcool e substâncias psicoativas […] Em relação aos caminhoneiros, já existindo uma precarização na profissão na medida em que os insumos aumentaram, o diesel aumentou e cada vez mais as jornadas estão mais exaustivas, ou seja, eles estão utilizando do álcool e também dessas substâncias, para, na cabeça deles, aumentar o seu rendimento profissional e aguentar essa jornada de trabalho. Com uma remuneração menor do que antes, vide a não valorização do frete e a alta dos insumos, a conta não fecha, é uma tragédia anunciada nas rodovias.”
O médico ainda nos afirmou que a diminuição nas fiscalizações gerou, para os condutores e para a sociedade, uma sensação de impunidade em relação ao uso de álcool nas rodovias:
“No ano passado, comprovadamente, houve uma redução do número de fiscalizações da PRF de alcoolemia nas rodovias federais. Isso passou pra sociedade uma sensação de que poderia beber e dirigir, pois não haveria fiscalização, só que na verdade, a PRF entrou com um pedido para que nas suas abordagens não fosse mais obrigatório a realização do teste pelo etilômetro, pelo bafômetro. Então, por isso que deixou essa sensação no ar.”
Sobre essa afirmação do doutor e com os números em mãos, questionamos a PRF sobre o porquê do crescimento de casos de embriaguez no trecho e o que a instituição vem fazendo para conter os motoristas que trafegam embriagados nas estradas federais. A instituição nos respondeu com a seguinte nota:
“Por ocasião da declaração da Pandemia em março de 2020, A PRF, orientou os policiais a adotarem medidas visando prevenir o contágio na realização de testes de alcoolemia, não tendo ocorrido em momento algum, a suspensão da fiscalização de alcoolemia com o uso de etilômetros. A orientação foi de que os testes seriam realizados com o uso dos EPIs necessários para se evitar o contágio do COVID, garantindo assim a preservação da saúde, tanto dos servidores, quanto dos usuários das rodovias. A PRF sempre teve como premissa a realização de Testes de Alcoolemia em massa com o intuito de se criar uma cultura de não utilização de bebida alcoólica pelo condutor nas rodovias federais. Naquele contexto, os testes foram realizados, em sua maioria, nos casos de suspeição de embriaguez.”
O que fazer para esse número começar a cair?
O Dr. Alysson nos relatou que a AMMETRA vem tomando medidas para colaborar com a redução dos casos de embriaguez ao volante no trecho. Porém, ele afirma ser necessária uma maior interação de outros setores da sociedade:
“Falta ampliação das campanhas de controle de alcoolemia dentro das cidades. Ficou muito isolada, quando somente a PRF realiza os testes nas estradas. Então, as pessoas dentro dos municípios estão bebendo mais. Enquanto a gente não mudar a concepção das cidades na forma de tratar motoristas que bebem e que dirigem, eles vão continuar pegando as estradas com essa sensação de impunidade. Na nossa opinião, deveria ter uma maior fiscalização dentro dos municípios e que a justiça padronize as penas aplicadas, pois em certos casos, os juízes tomam decisões contraditórias […] A gente luta diariamente pela preservação de vidas, trabalhamos com a formulação de diretrizes e de recomendações para todos os médicos de tráfego do Brasil, buscamos parceria de ciência com as prefeituras com os detrans para a conscientização e aplicação dessas políticas públicas nos municípios, um ponto que eu acho que está deixando muito a desejar. Nós entendemos nosso papel, mas temos que cobrar outros órgãos e entidades que não se atentaram a importância de também se aprimorarem como nós estamos buscando diariamente.”
Com base nas palavras do Doutor, dos motoristas e na apuração realizada para a construção desta matéria, concluímos que existem ações e medidas muito importantes, mas que precisam de uma maior rigidez, como a própria Operação Lei Seca, o Movimento Maio Amarelo e outras campanhas de conscientização para maior segurança nas rodovias.
Além disso, é necessária muita prudência por parte dos condutores, que devem evitar o uso não apenas de álcool como de outros entorpecentes ao volante. Ter consciência dos males que uma irresponsabilidade ao volante pode causar no trecho é algo fundamental para uma maior segurança das vias, assim, podendo evitar graves acidentes e preservando ao próximo e a si próprio.
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Por Daniel Santana com informações da PRF e AMMETRA/MG