quinta-feira, dezembro 12, 2024

Você tem 4 vezes mais chances de morrer de acidente em uma rodovia pública

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Algumas coisas todo mundo sabe. Por exemplo: mais de 30 mil pessoas morrem todos os anos em acidentes de trânsito. Ou ainda: as rodovias brasileiras estão em mau estado de conservação. Mas toda rodovia é igualmente perigosa? A Fundação Dom Cabral (FDC) compilou diversos dados da Polícia Rodoviária Federal e concluiu que as rodovias públicas são 4 vezes mais perigosas, nelas, você tem mais chances de morrer em um acidente. Além disso, o estudo ainda achou os pontos mais perigosos. E agora, o que fazer com essas informações?

O estudo da Fundação Dom Cabral

O estudo considerou dados abertos da Polícia Rodoviária Federal e levou em conta 264.196 acidentes, ocorridos entre 2018 e 2021. O levantamento não pode considerar informações de rodovias estaduais porque os dados disponibilizados pelos estados nem sempre conversam entre si e com os dados da PRF.

Acidentes x acidentes graves

Segundo a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), sinistro ou acidente de trânsito é “todo evento que resulte em dano ao veículo ou à sua carga e ou em lesões a pessoas e ou animais (…) em que pelo menos uma das partes está em movimento nas vias terrestres ou em áreas abertas ao público”.

Ou seja, bateu e amassou o capô, é um acidente. Bateu e foram 10 vítimas fatais, é um acidente também. Entretanto, obviamente, a gravidade das duas situações muda completamente. Por isso mesmo o estudo produziu dados absolutos (levando em conta apenas o número de acidentes) e dados ponderados, que consideram que acidentes com vítimas são mais graves e acidentes com vítimas fatais são mais graves ainda.

Com isso o estudo criou 3 índices:

NAc – número absoluto de ocorrências de acidentes

TAc – Taxa de acidentes, que pondera o número de acidentes pela extensão do trecho e volume de tráfego

TSAc – Taxa de severidade dos acidentes, que além de ponderar por extensão e volume de tráfego, também pondera por tipo e gravidade do acidente

Ainda assim, pelos dados da PRF, não é possível identificar o número de vítimas, apenas se há vítimas ou não. Em outras palavras, uma ocorrência com 1 vítima ou 40 vítimas é uma única ocorrência. Ou seja, ainda seria possível aprofundar mais o estudo caso essas informações estivessem disponíveis.

Rodovias públicas x privadas

Que a situação das rodovias públicas é pior do que a das privadas, isso a gente já sabe. Basta rodar por esses trechos que a gente vê a diferença. Além disso, o levantamento anual da CNT sobre condições de rodovia destaca essa característica todo ano.

Gráfico comparando situação das rodovias privadas X públicas
Fonte: Estudo CNT de Rodovias 2021

No entanto, o estudo da Dom Cabral mostra o quanto é mais perigoso rodar em vias públicas por questão da gravidade dos acidentes que acontecem nesses locais. Ao analisar-se os números absolutos, a média de acidentes é equilibrada entre vias concessionadas e não concessionadas.

Gráfico com número absoluto de acidentes nos rodovias públicas e privadas
Fonte: Fundação Dom Cabral

Entretanto, ao verificar-se os acidentes por gravidade, percebe-se que, a cada 5 acidentes graves, 4 ocorrem em rodovias não concedidas. Ou seja, você tem 4 vezes mais chances de morrer ao se envolver em um acidente em uma via pública que em uma privada.

Gráfico mostra a diferença na severidade dos acidentes nas rodovias públicas e privadas
Fonte: Fundação Dom Cabral

Quando analisamos as BRs com maior número de acidentes, alguns trechos concedidos chegam a ter mais acidentes que os trechos públicos, como é o caso da BR101 e da BR116. Entretanto, a diferença da gravidade dos acidentes nesses dois tipos de via fica ainda mais evidente.

Diferença da gravidade dos acidentes ocorridos em trechos de rodovias públicos e privados
Fonte: Fundação Dom Cabral

4 fatores que explicam os dados

Segundo a Fundação Dom Cabral, quatro fatores explicam a diferença de gravidade entre rodovias públicas e privadas.

Rodovias com pistas simples e sem sinalização têm acidentes mais graves
BR 163 no Pará – pista simples sem sinalização

1 – Pistas simples x duplicadas

Conforme já até mostramos em outra reportagem, os acidentes mais fatais são as colisões frontais. E onde acontecem colisões frontais? Geralmente em rodovias de pista simples, com uma faixa em cada sentido.

Nas rodovias públicas, 80% da extensão é de pista simples, nas privadas o número é inverso. Ou seja, com maior quantidade de vias não duplicadas, as rodovias públicas tendem a ter o tipo de acidente que mais mata.

2 – Sinalização deficiente

Indicar claramente a separação dos sentidos da via, sinalizar curvas e apontar pontos perigosos são diferenciais presentes nas vias privadas que nem sempre existem nas rodovias públicas. Sem saber a velocidade do trecho, onde estão as curvas a frente ou sequer onde acaba um sentido e começa o outro, quem roda pela rodovia não concessionada tem muito mais chances de invadir a faixa contrária, não perceber a curva e aí entrar rápido demais nela e acabar se envolvendo em acidentes.

 

BR 116 na Bahia - encontro de fluxo rodoviário com urbano gera acidentes
BR 116 na Bahia – encontro de fluxo rodoviário com urbano gera acidentes

3 – Conflito entre tráfego rodoviário e urbano

Em uma rodovia, espera-se encontrar um tráfego rápido, veículos em jornadas longas, sem a presença de pedestres e, via de regra, com pessoas acostumadas com essa dinâmica. Já em cidades a coisa muda. São muitos os pedestres, motos e bicicletas, são muitas também as pessoas sem habilidades em trânsito rápido. Essa junção de duas características distintas faz com que os acidentes sejam mais comuns nas regiões onde as BRs atravessam as cidades e se juntam ao trânsito urbano.

Nas rodovias privadas, a concessionária é obrigada a investir nas faixas de domínio, garantindo uma margem de segurança em torno da via. Além disso, investe-se também em retornos, entradas e saídas da via por meio de viadutos e túneis, tirando o fluxo que entra e sai do nível da via.

Já em vias públicas isso geralmente não existe. Entradas, saídas e retornos em nível misturam quem está rápido com quem está devagar. Em alguns pontos, a BR via mesmo uma avenida, até com semáforo, aí a mistura se completa com pedestres, motos e bicicletas e até casas e comércios e é aí que acontecem os acidentes. Tanto é que, no mapa disponibilizado pelo estudo, é possível identificar os pontos com maiores índices de acidentes, e eles estão praticamente todos na chegada ou saída dos municípios.

4 – Estrutura de socorro

Mesmo com todo o investimento em infraestrutura que as concessionárias fazem, ainda assim acontecem acidentes. Entretanto, por todos os motivos já explicados acima, eles tendem a ser de menor gravidade e, quando acontecem, a empresa que explora a via tem ambulâncias, equipe de médicos/ paramédicos/ enfermeiros /bombeiros para realizar o socorro. Com a rapidez no atendimento, a gravidade da ocorrência é menor.

Sugestões para melhoras

Mapa de calor mostra as áreas com maior número de acidentes. Aqui o mapa do Rio Grande do Sul
Mapa de calor mostra as áreas com maior número de acidentes. Aqui o mapa do Rio Grande do Sul.

Analisando os dados e levando em consideração que uma pessoa tem 4 vezes mais chances de morrer em um acidente em uma rodovia pública, a sugestão mais obvia seria privatizar tudo. Entretanto, sem entrar na questão do custo de vida dos cidadãos se todas as vias fossem privadas, nem todas as vias são interessantes para concessão.

Segundo a Fundação Dom Cabral, geralmente, vias com fluxo abaixo de 3.500 veículos por dia não são atrativas para concessionárias. Logo, esse tipo de via sempre vai ser pública. Sendo assim, cabe ao governo investir nessas vias ou ser criativo para passá-las às mãos privadas. E é exatamente esse debate que a Fundação Dom Cabral quer começar.

Zoom no mapa de acidentes do Rio Grande do Sul
Zoom no mapa de acidentes do Rio Grande do Sul

Algo precisa ser feito pois, considerando as 20 maiores economias do mundo, nós somos a única que não está entre as 20 melhores infraestruturas do mundo. Aliás, estamos muito longe disso, no 73º lugar no ranking mundial.

Os trechos mais perigosos

Como o estudo da FDC mostra exatamente os trechos mais perigosos, seria possível fazer parcerias com empresas da região para assumirem o custo de obras naquele local específico? Seria útil ter palestras com a população local para mostrar os riscos e alertas ao se transitar numa rodovia que atravessa a cidade? Seria viável obrigar a concessão de uma via menor no combo de uma maior?

É possível ir aproximando o mapa para ter o ponto exato onde se concentram os acidentes
É possível ir aproximando o mapa para ter o ponto exato onde se concentram os acidentes

Todas essas questões agora devem ser debatidas. A FDC já começou conversando com a ANTT, mas como segurança viária é assunto de todos, sociedade civil deve se envolver e cobrar também um envolvimento político nessa questão para que, quem sabe, em 10 anos possamos diminuir a taxa de letalidade de nossas vias, como quer o governo.

Por Paula Toco

 

Jornalista Paula Toco sentada em banco do motorista de caminhão pesado

Jornalista especializada em transporte comercial há mais de 15 anos.
Repórter do programa Pé na Estrada na TV (hoje no SBT) e coapresentadora do programa no Rádio (hoje na Massa FM). Mais de 300 mil seguidores nas redes sociais (Instagram + Tik Tok) onde fala de segurança e legislação de trânsito. Autora do livro “E se eles sumirem?” e palestrante de segurança no trânsito.

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