Falta de fiscalização nas estradas, entre outras situações, são algumas queixas recorrentes dos estradeiros e que parecem ter sentido, de acordo com uma pesquisa da CNT (Confederação Nacional do Transporte). Dados do estudo, publicado em julho deste ano, revelam que o Brasil está há 15 anos sem investimentos em ações de melhoria do trânsito, garantidas por meio dos recursos do Funset (Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito).
Entenda o Funset
O Funset foi criado em 1998 pela Lei nº 9.503 referente ao Código Nacional de Trânsito com a intenção de custear as despesas com ações para segurança e educação de trânsito operacionalizadas pelo DENATRAN (Departamento Nacional de Trânsito) e SENATRAN (Secretaria Nacional de Trânsito).
A lei determina que 5% do que é arrecadado com multas de trânsito devem ser destinados a esse fundo, que também é financiado por outras fontes, como doações e dotações. Os recursos do Funset são aplicados no planejamento, execução e fiscalização de programas e políticas públicas e na promoção de ações para melhorar as condições de trabalho dos profissionais do trânsito e do segmento rodoviário, dentre outras mais.
Dados encontrados na pesquisa
Descontinuidade dos investimentos
Um dos pontos que chama a atenção na pesquisa da CNT é a descontinuidade de investimentos em algumas atividades preconizadas pela Lei que regulariza o Funset. O estudo da CNT listou 15 ações. Desse total, cerca de 50% não receberam nenhum valor por pelo menos 8 anos seguidos. E mais, 13 sofreram descontinuidade dos investimentos entre 2005 e 2022, período analisado pela CNT.
Além disso, as duas ações que não sofreram descontinuidade só começaram a receber alocação de verba tempos depois, segundo a pesquisa. Apoio e fortalecimento institucional do sistema nacional de trânsito a partir de 2013; manutenção e operação da infraestrutura de tecnologia da informação a partir de 2020.
Falta de investimento em determinadas ações
Em 2021, das 15 ações, apenas 6 ações receberam investimentos e 2022 parece repetir o cenário, pois no primeiro semestre, apenas quatro tiveram recursos do Funset alocados para operacionalização. Isso corresponde a 30% do total de ações listadas. Olhando para o passado, os números assustam ainda mais, pois nenhum dos 15 itens listados pela CNT receberam verba em todos os anos analisados pelo estudo.
O item fomento à pesquisas e desenvolvimento tecnológico na área de transito, por exemplo, não recebe alocação de verba do Funset há 5 anos. Implantação e integração de sistemas de dados e informações do sistema nacional de trânsito, há 16 anos. Melhoria da fiscalização de trânsito pelos órgãos do sistema nacional de trânsito, há 15 anos.
Desde 2005, ou seja, há 17 anos, o fundo não é usado para apoio à capacitação de agentes do sistema nacional de trânsito e na formulação da política nacional de trânsito. Com relação a manutenção e operação da infraestrutura de tecnologia da informação, este item ficou de 2005 a 2020 sem receber nenhum investimento.
Distribuição desigual dos investimentos
A distribuição do orçamento também é desigual conforme mostra o estudo. Entre 2005 e o primeiro semestre de 2022, do total investido em ações, 30% foi gasto com sistemas de informações do sistema nacional de trânsito.
Em contrapartida pouco mais de 4% foi gasto com melhorias na fiscalização de trânsito pelos órgãos do sistema nacional de trânsito; 2,14% com implantação e integração de sistemas de dados; 1,12% com apoio e capacitação de agentes de trânsito e menos que 1% em formulação da política nacional de trânsito.
O que significa que essas ações para segurança e educação no trânsito, importantes para reduzir acidentes, não somam 10% do total das despesas do Funset em 18 anos de levantamento.
Queda dos investimentos
Entre 2005 e 2022, houve uma queda na evolução das despesas para as ações. No primeiro ano, das 15 ações, 11 receberam verba. No ano seguinte caiu para 8 e assim ficou até 2008, depois caiu para sete e desde de então oscilou entre 4 e 8.
O valor usado para operacionalização das ações também oscilou alcançando maior valor em 2010, com R$ 420 milhões em despesas, e teve uma queda acentuada em 2021 para R$ 54 milhões. Até junho deste ano, o valor alocado para as ações foi de R$ 25 milhões, apenas 3,9% do valor total autorizado para o fundo.
O desequilíbrio entre a reserva de contingência e o valor para a execução das ações
Uma parte do valor arrecadado anualmente é autorizado para execução de ações e outra parte vai para um reserva de contingência. A pesquisa da CNT mostrou que de 2007 a 2022 a alocação do fundo para a execução de ações caiu progressivamente, enquanto a da reserva aumentou, indicando desproporcionalidade na divisão do valor arrecadado para o Funset.
Em 2005, o total autorizado para execução das ações foi de 41,6% do total do fundo, 2007 alcançou ápice com 52,3% e depois foi caindo chegando a 8% em 2021. O primeiro semestre de 2022 já está baixo, pois do total pago ao Funset, somente 3,9% foi autorizado para uso.
Em uma análise geral, nesses 18 anos avaliados, 21,2% dos recursos do Funset foram de fato usados para ações, enquanto 68,5% ficaram para reserva de contingência, valor que corresponde a mais de R$ 12 bilhões. Isso significa que muito pouco do que chega ao fundo têm sido de fato usado para segurança e educação no trânsito.
O Código de Trânsito e a Lei 9602/98, que regulamenta o Funset, não estabelecem qual deve ser a porcentagem dessa reserva de contingência sobre o valor líquido arrecadado. O que se sabe é que uma vez que o montante é destinado para a reserva de contingência, o valor é alocado em uma conta a parte e só pode ser usado como crédito adicional em eventos fiscais imprevistos, ou seja, em situações de emergência ou calamidade.
A importância do Funset para redução de acidentes
Segundo o relatório, os fatores negativos levantados podem explicar o motivo da falta de redução no número de acidentes em rodovias federais. Além disso, podem ser responsáveis pela manutenção dos custos estimados com acidentes que não caem desde 2020. Entre 2018 e o início de 2022, os gastos passaram de R$ 51 milhões e poderiam ser reduzidos por meio da efetividade da aplicação do fundo de R$ 3,71 bilhões arrecadados no mesmo período.
“A baixa execução do Funset é preocupante, pois implica em menor quantidade de ações que busquem informar e educar os motoristas brasileiros, podendo contribuir para um maior número de condutas perigosas em desacordo com as leis vigentes”, aponta o texto da pesquisa da CNT.
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Por Jacqueline Maria da Silva com informações da pesquisa “Educação e Segurança de trânsito: os recursos do Funset têm sido efetivamente aplicados nas suas finalidades?”. Documento disponível no site da CNT.
