quinta-feira, fevereiro 6, 2025

Monitoramento da Cabine: Segurança ou Invasão de Privacidade?

LegislaçãoMonitoramento da Cabine: Segurança ou Invasão de Privacidade?

Monitoramento da Cabine: Segurança ou Invasão de Privacidade? Com a tecnologia avançando, os sistemas de monitoramento em caminhões e ônibus estão se tornando cada vez mais comuns.

Câmeras e sensores vigiam a cabine 24 horas por dia, prometendo mais segurança, eficiência e até redução de custos operacionais. Mas até que ponto esse controle é benéfico?

Se, por um lado, a vigilância pode prevenir acidentes e melhorar a gestão da frota, por outro, surge a questão da privacidade do motorista.

Ele pode estar sendo monitorado mesmo em momentos de descanso? Essas imagens poderiam ser usadas sem consentimento?

Afinal, onde está o equilíbrio entre segurança e privacidade? Esse tipo de monitoramento deve ter limites claros ou é um avanço necessário para o setor de transportes?

Monitoramento da Cabine: Segurança ou Invasão de Privacidade?

O motorista Beto Labareda faz uma comparação da cabine com os ambientes de trabalho, dentro dos escritórios.

“Nas empresas, as pessoas sentam em suas mesas, fazem suas reuniões, saem para um café ou outro e também vão ao banheiro ou param para almoçar. Se há câmeras, tudo bem, pois estão registrando uma imagem coletiva”, explica o caminhoneiro.

No caso de quem trabalha na estrada, a partir do momento que você assume sua jornada de trabalho, sua vida profissional e pessoal passa a ser uma só, argumenta ele.

“Considero uma invasão de privacidade. Já recusei empregos por conta da exigência de câmeras internas”.

O motorista destaca que não se trata de uma vigilância da máquina ou de como está sendo o funcionamento dela, mas sim do caminhoneiro.

“Acredito que a maioria dos motoristas não concorda em trabalhar com o monitoramento da cabine”, finaliza.

Segurança ou Invasão de Privacidade?

Eurípedes Cunha, advogado e mestre em ciências penais, explica que não é proibido a instalação de câmeras, mas que o assunto deve ser visto com cautela.

“A cabine do caminhão é um ambiente misto, onde ao mesmo tempo que o motorista trabalha, muitas vezes ele também se alimenta e se deita para dormir, para descansar, enfim”.

Câmeras precisam ser desligadas nas paradas

Ou seja, o que essa câmera tem que ter? Questiona o jurista: “Ela tem de ter um dispositivo que a desative nas paradas, para o descanso privativo”.

Ele acrescenta que muitas vezes o caminhoneiro quer ficar sem camisa, levar a esposa para viajar junto ou até mesmo um filho, enfim, a privacidade deve ser respeitada.

“Por analogia, a gente pode voltar no tempo e falar das revistas em bolsas de funcionários, revista no corpo do funcionário. É um tema que no passado deu muita polêmica e que ocorreu uma regulamentação”, reforça.

Logo, o advogado conclui que caso as câmeras não tenham um dispositivo que assegure que elas estejam desligadas no momento de descanso, é muito provável que a empresa possa ser acionada na justiça trabalhista.  

O que diz a Lei sobre o Monitoramento da Cabine

Todavia, as câmeras estão por todos os lugares. Com isso, a instalação delas na cabine é legal e autorizada.

Segundo as normas vigentes, as empresas têm permissão para implementar esses dispositivos para proteger tanto o patrimônio quanto a segurança dos empregados.

Porém, é fundamental que a implementação dessas câmeras seja feita de forma transparente.

Regras sobre a existência das câmeras:

1. Os motoristas precisam saber que as câmeras estão instaladas e funcionando;
2. É necessário explicar o propósito das câmeras e como elas contribuem para a segurança;
3. A empresa precisa informar sobre as diretrizes que regem a utilização das imagens captadas;
4. As imagens captadas não podem ser usadas para divulgar dados sensíveis ou informações pessoais dos colaboradores;
5. O acesso às imagens deve ser restrito a pessoas autorizadas, garantindo a privacidade e a segurança dos funcionários.

Mas, como fica a LGPD e o monitoramento da cabine?

A LGPD estabelece que a coleta e armazenamento de dados pessoais, como imagens, deve ser feita com consentimento e notificação prévia.

As imagens devem ser usadas apenas para fins específicos, como segurança e prevenção de acidentes.

E como fica a invasão de privacidade:

A Constituição Federal garante o direito à privacidade e à inviolabilidade do domicílio. Logo, alguns tribunais consideram os veículos uma extensão da casa e, por isso, o uso de câmeras de monitoramento como invasão de privacidade dos motoristas

Quando o monitoramento funciona para o bem

Uma empresa de logística, a Movecta, está utilizando inteligência artificial e outras tecnologias embarcadas na cabine dos motoristas para zerar os acidentes com caminhões. A iniciativa é parte de um projeto experimental que minimiza as ocorrências no trânsito.

“As câmeras ajudam a observar e monitorar o comportamento dos motoristas dentro da cabine. O sistema de telemetria e IA capturam os comportamentos inadequados (falta do cinto de segurança, se alimentar, fumar ou usar o celular enquanto dirige), grava alguns segundos, avisa o motorista e dispara a informação para uma central. A área de Segurança da Movecta recebe a informação e busca reeducar o time de motoristas, oferecer treinamentos e orientações”, detalha Rogério Fernandes Costa, gerente de Qualidade, Saúde, Segurança e Meio Ambiente da Movecta.

Desde que a companhia adotou a iniciativa no início deste ano, os indicadores de segurança no trânsito reduziram significativamente.

Quando a companhia começou o projeto em janeiro, registrou 0,12 comportamentos inadequados por viagem. Em agosto esses mesmos indicadores ficaram em 0,06 por viagem, apontando para uma redução de 50%.

Quando o monitoramento funciona para o bem

A JSL tem uma Central de Gerenciamento de Risco com monitoramento 24 horas sete dias por semana.

Os motoristas, por outro lado, recebem treinamento sobre procedimentos e cuidados com segurança.

Outra medida é que os veículos contam com sensores de fadiga, que avisam e evitam a condução quando o motorista apresenta sinais de cansaço.

Conclusão: Monitoramento da Cabine: Segurança ou Invasão de Privacidade?

Michel Foucault, em Vigiar e Punir, descreve como o poder moderno se estrutura a partir da vigilância constante, transformando indivíduos em sujeitos controlados e disciplinados.

No contexto do monitoramento de cabines de caminhões e ônibus, essa lógica se manifesta na supervisão contínua dos motoristas, promovendo tanto segurança quanto um controle rigoroso sobre seu comportamento.

Se, por um lado, a vigilância reduz riscos de acidentes e melhora a eficiência das operações, por outro, cria um ambiente de constante observação, onde o trabalhador pode sentir-se vigiado até mesmo em momentos de descanso.

Assim como na estrutura panóptica descrita por Foucault, o motorista internaliza a sensação de estar sempre sob supervisão, o que pode impactar sua autonomia e bem-estar.

Dessa forma, a questão central não é apenas se o monitoramento deve existir, mas até que ponto ele se justifica sem se tornar uma ferramenta de coerção.

O grande desafio reside em equilibrar segurança e privacidade. A tecnologia deve proteger, não submeter os motoristas a um regime de controle excessivo.

Por isso, é importante sempre avaliar as condições de trabalho antes de fechar um contrato, seja ele de agregamento ou CLT. 

Jornalista do Pé na Estrada, Rodrigo Samy

Jornalista especializado em veículos e apaixonado por motores desde criança. Começou a carreira em 2000, como repórter, nas revistas Carro e Motociclismo. Atuou por mais de 10 anos em assessorias de imprensa ligadas ao mundo motor. Foi editor do Portal WebMotors e repórter do Estado de S.Paulo. Hoje, trabalha como repórter e editor do Portal Pé na Estrada.

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