Sindicatos, federações e influenciadores alertam para o bloqueio de caminhoneiros em gerenciadoras e seguradoras

Veja se você já passou por isso: você manda seu currículo, é chamado para entrevista, às vezes até faz o teste na empresa, vai bem e… sem explicações… é dispensado. A justificativa é que o cadastro não foi aprovado. Mas que cadastro? O que diz esse cadastro? Que informações estão ali? Quem tem acesso a ele? O caminhoneiro pode ter acesso ao seu próprio cadastro? Esse cadastro está de acordo com as leis brasileiras? É sobre o bloqueio de cadastros de caminhoneiros em gerenciadoras e seguradoras, algo que muitas vezes fere a legislação de proteção de dados, que falaremos a seguir. Inclusive, mostrando o movimento com sindicatos, federações e influenciadores que se juntam para falar desse problema.

O que é esse cadastro de caminhoneiros?

A prática é antiga. As gerenciadoras de risco colhem informações dos motoristas e formam um cadastro com os dados deles. O objetivo é identificar profissionais que poderiam apresentar maior risco, principalmente para roubos de carga. Então, na teoria, esse cadastro ajudaria empresas a diminuir o gasto com seguros.

E que informações estão presentes nesse cadastro? Aí é que começam os problemas. Na maioria das vezes, informações de análise de crédito são adicionadas ao cadastro do caminhoneiro. Essas informações não são públicas, e seu uso é ilegal. O sigilo desse tipo de informação é garantido pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que vem sendo violada pelas gerenciadoras de risco e seguradoras. Além disso, o motorista tem muita dificuldade em conseguir acesso ao seu próprio cadastro. Mesmo que muitas vezes ele tenha que pagar por ele, o que também é ilegal pela (LGPD). Sem saber que informações sobre si são passadas para as transportadoras, o motorista fica de mãos atadas ao ser recusado em uma vaga.

Bloqueio por nome sujo x Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)

Duas leis deixam clara a ilegalidade de se usar informações de inadimplência para dispensar um candidato. A 9.029/95, que no art.1º garante que não pode haver discriminação na hora da contratação, e, mais especificamente, a Lei 13.103/2015, que diz: “é vedada a utilização de informações de bancos de dados de proteção ao crédito como mecanismo de vedação de contrato com o TAC e a ETC devidamente regulares para o exercício da atividade do transporte rodoviário”.

Em outras palavras, essa lei deixa claro que, uma vez que o candidato esteja apto, ou seja, esteja com CNH em dia, com exame toxicológico dentro da validade e todas as outras exigências feitas ao caminhoneiro, o fato de ele estar com restrições, ou “nome sujo”, não pode ser usado para tirá-lo de uma vaga ou limitar o seu trabalho.

Ainda que isso seja lei desde 2015, essa prática continua recorrente no mercado. Entretanto, com a chegada da LGPD, agora fica mais clara a forma de enquadrar juridicamente as empresas que desrespeitarem a legislação. Exemplo disso é decisão do Tribunal Superior do Trabalho, que considerou ilegal o uso desse tipo de banco de dados.

Decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

Desde 2012, o Ministério Público tenta impedir gerenciadoras de usar dados de crédito presentes no cadastro de caminhoneiros. Entretanto, as decisões sempre beneficiavam essas empresas, já que alegava-se ser muito difícil afirmar que a recusa dos motoristas se dava pela questão do crédito. Além disso, as gerenciadoras afirmavam que apenas repassavam informações públicas. A decisão de usar esses dados para contratar ou não o caminhoneiro era da transportadora.

Porém, por conta da LGPD, sancionada em 2018, a situação mudou. Agora, o TST entendeu que o uso, busca ou repasse de informações de crédito fere a LGDP, portanto, é ilegal.

Conforme sentença emitida em dezembro de 2021, o uso desse tipo de informação no cadastro do caminhoneiro fere vários pontos da lei. Pode-se destacar alguns presentes no Artigo 6º:

1 – finalidade – as informações só podem ser usadas para a finalidade que foram coletadas. Sendo assim, as informações de crédito e inadimplência só podem ser usadas por bancos ou empresas que estejam oferecendo serviços financeiros ao motorista. Esse não é o caso de uma transportadora ou gerenciadora de risco, logo, elas não podem usar essa informação;

2 – livre acesso – a lei garante que o titular possa saber, de forma fácil e gratuita, todos os dados disponíveis em seu cadastro. Entretanto, o caminhoneiro dificilmente consegue acesso ao seu perfil em gerenciadoras e, muitas vezes, é obrigado inclusive a pagar por esse perfil que ele nem pode ver e que podem tirá-lo de vagas no mercado de trabalho;

3 – não discriminação – os dados não podem ser usados para fins discriminatórios. Porém, como mostrado no começo da reportagem, uma lei de 1995 já afirma que usar informações de crédito para selecionar trabalhadores é forma de discriminação;

A sentença (que você pode ler na íntegra clicando aqui) cita ainda outros pontos da lei, mas apenas com esses já fica claro que a LGPD impede o uso das informações de crédito nos cadastros de caminhoneiros. Sendo assim, o TST decidiu:

“condenar a ré à obrigação de abster-se de utilizar banco de dados, prestar e/ou de buscar informações sobre restrições creditícias relativas a candidatos a emprego/trabalho, seus ou de terceiros, (…) sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), (…), por candidato”.

Ou seja, a empresa deverá pagar R$ 10 mil ao estado cada vez que utilizar esses dados para avaliar o cadastro de um caminhoneiro.

Por enquanto, a punição vale apenas para a empresa específica que foi acionada pelo Ministério Público. Entretanto, essa decisão vira jurisprudência. Em outras palavras, no futuro, outros juízes podem usar esse caso para embasar suas decisões em situações semelhantes.

Movimento #ForaCadastroIlegal

Para pressionar para que a lei de fato seja respeitada e que caminhoneiros parem de ter seus cadastros e direito de trabalhar bloqueados por informações de análise de crédito, um coletivo de sindicatos, federações e personalidades da categoria tem chamado atenção para o assunto com a #ForaCadastroIlegal.

Diversos caminhoneiros famosos também encampam o movimento, como Vanessa Mariano, Suelen Lopes, Bruno Garcia e Corujinha Vlog, que já fizeram vídeos em seus canais falando da questão (clique no nome de cada um para ver). Nos comentários, diversos caminhoneiros e caminhoneiras mostraram que também já tiveram problemas com a prática. Um deles conta que foi impedido de carregar por um boleto de uma ótica vencido há 4 dias. Como se isso aumentasse as chances desse motorista se envolver em roubos de cargas.

O jornalista Pedro Trucão também já abordou diversas vezes o assunto, seja apontando o problema e a prática ilegal, seja dando caminhos para o motorista tentar contornar a situação.

Como se sabe, no Brasil, muitas vezes apenas a existência da lei não garante que ela seja seguida. É só a pressão que faz as coisas mudarem. Por isso, o movimento chama todos os motoristas a contarem suas experiências nas redes sociais marcando a #ForaCadastroIlegal.

 

1 COMENTÁRIO

  1. Estou perdendo o serviço pela terceira vez porque as seguradoras buonny, raster, pamcary, opentech não me liberou pra carregar já enviei que nada consta na justiça mandei bons antecedentes da polícia civil mas mesmo assim não liberou implorando para eles que sou pai de família e tenho 3 filhos já cansei de pedir ajuda nas redes sociais mas parece que ajudar mesmo ninguém quer

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