Caminhoneiros reclamam do desperdício de diesel e aumento do custo operacional. Pesquisa mostra relação com a má condição das rodovias

“A gente perde no combustível, dá desgaste no pneu, no equipamento, na máquina inteira”, desabafa Ricardo Dias da Silva, QRA Rick Dias, sobre os prejuízos de quem se depara com estradas ruins. Ele não é o único a reclamar, e com fundamento. Segundo um estudo da CNT (Confederação Nacional do Transporte), as condições das rodovias geraram desperdício de diesel e aumento do custo operacional para os transportadores.

Caminhoneiros reclamam do desperdício de diesel e aumento do custo operacional. Pesquisa mostra relação com a má condição das rodovias
Ricardo Dias

Relato de caminhoneiros reforça má condição das rodovias

A pesquisa da CNT levantou diversos aspectos sobre estradas em 2022 tomando como base o ano anterior, 2021, e chegou a listar as melhores e piores rodovias para trafegar. Por meio dos resultados, a organização apontou também justificativas para muitas das queixas relatadas pelos caminhoneiros.

Cadê a pavimentação?

A malha rodoviária brasileira possui cerca de 1,7 milhões de quilômetros. Apenas 12% dessa extensão é pavimentada. Com esse volume, o Brasil é, atualmente, um dos menores países em extensão de pavimentação, 20,5 km/mil km², bem abaixo da China (447 km/mil km²), EUA (437,8 km/mil km²) e Uruguai (43,9 km/mil km²).

A avaliação das condições do pavimento também assusta, pois apenas 8,9% das rodovias (9.770 quilômetros) encontram-se em condição de superfície de pavimento classificada como perfeito estado, enquanto 91,1% (100.562 quilômetros) possuem algum problema. Ou seja, é como se a cada 100 metros de estrada pavimentada, apenas 9 estivessem bons para trafegar.

Para se ter uma ideia, 19 dos 27 estados brasileiros apresentaram problemas na pavimentação em mais que 50% da extensão de suas rodovias avaliadas. “Os piores trechos para trafegar estão em Mato Grosso, Goiás e uma parte de Minas Gerais”, relata Marco Aurélio Santos.

Veja no gráfico abaixo o quanto o pavimento influência na avaliação da qualidade da rodovia. Na maior parte dos estados, quando maior a porcentagem de problemas no pavimento, maior a porcentagem de avaliação “péssima, ruim e regular” com relação ao estado geral das rodovias.

Caminhoneiros reclamam do desperdício de diesel e aumento do custo operacional. Pesquisa mostra relação com a má condição das rodovias
Gráfico com base nos dados da Pesquisa CNT de Rodovias 2022

O buraco é mais embaixo

Recentemente, Adriano estourou um pneu enquanto trafegava pela Fernão Dias. “Um trecho muito esburacado“, descreve. Mesma situação relatada por Ricardo, em outro local não especificado. A perda do pneu gerou um prejuízo de mil reais para a empresa, sendo que o item ainda poderia rodar 20 mil quilômetros, segundo ele.

Ricardo também perdeu o para-lama do caminhão pelo mesmo motivo, mas seu maior temor não são as perdas materiais e sim a própria segurança, sobretudo em situações de maior pressão.

“Na questão da chuva a gente livra de um e cai em outro [buraco], arriscado fazer um acidente […] Pra evitar, a gente passa em menor velocidade para não danificar a carga que a gente transporta e nem o patrimônio da empresa que a gente tem na mão”, esclarece. 

“Trepidação de margem, pista estreita nas pontes, pontes sem acostamento que dá acidente na 153”, reforça Marcos. “Pelo que eu andei por aí, o trecho da Bahia é muito ruim, faixa não é duplicada, o perigo é constante”, descreve Adriano Rocha, QRA Jegão.

Todos os caminhoneiros entrevistados apontam as condições das estradas em todo o país como responsável pelo aumento no custo operacional, em especial a quantidade de buracos com que se deparam em rodovias públicas e concessionadas. “Em alguns trechos do Mato Grosso, que paga pedágio, é só buraqueira”, reforça Marcos Aurélio dos Santos Araújo.

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Marco Aurélio dos Santos e a família

Estudo reforça percepção dos caminhoneiros

Segundo a pesquisa, com relação ao estado geral das rodovias analisadas, 66% delas apresentam algum problema e estão na faixa entre ruim e péssima. Sinalização, geometria da pista e pavimento foram aspectos considerados insatisfatórios em mais de 55% dessas estradas.

Por fim, a pesquisa identificou 2.610 pontos críticos, a maior parte registrados na região Norte (1.100). A CNT considerou como pontos críticos para o levantamento: queda de barreiras (253), ponte caída (5), erosão de pista (509), buraco grande (1.731), ponte estreita (76), interdições, estreitamento de via, entre outros. Note que a maior recorrência são os buracos grandes, indo novamente ao encontro dos relatos dos estradeiros.

Quando olhamos estado por estado, Minas Gerais (15%), Pará (13, 5%), Amazonas (9,9%) e Maranhão (9,2%) são os campeões em pontos críticos, correspondendo a quase 50% do total computado no levantamento da CNT.

“A gente tá com dificuldade naquele trecho de Maranhão a Belém do Pará, tá horrível, as rodovias todas esburacadas, não tem segurança, não tem auxílio nem nada, tamo no barro, é uma vergonha pra nós”, expõe Ricardo.

Caminhoneiros reclamam do desperdício de diesel e aumento do custo operacional. Pesquisa mostra relação com a má condição das rodovias
Gráfico com base nos dados da Pesquisa CNT de Rodovias 2022

Os reflexos das condições das rodovias no custo operacional

A pesquisa mostrou ainda que as más condições do pavimento geram um aumento de 33,1% no custo operacional do transporte. Isso, segundo o órgão, reflete na competitividade do Brasil e no preço dos produtos.

Segundo a CNT, no ranking de competitividade, que incluiu 141 países do mundo, o Brasil ocupou a 68ª posição no quesito conectividade das rodovias. Já em qualidade da infraestrutura das rodovias, ocupamos a 116ª posição, bem abaixo de outros países latino-americanos, como Chile, 25ª, Equador, 35ª. Na nota geral, ficamos em 93ª.

Com relação ao cenário nacional, os estados que ficam entre os primeiros na má avaliação do pavimento, do estado geral e da presença de pontos críticos, são os que geram maior custo operacional.

Caminhoneiros reclamam do desperdício de diesel e aumento do custo operacional. Pesquisa mostra relação com a má condição das rodovias
Gráfico com base nos dados da Pesquisa CNT de Rodovias 2022
Caminhoneiros reclamam do desperdício de diesel e aumento do custo operacional. Pesquisa mostra relação com a má condição das rodovias
Gráfico com base nos dados da Pesquisa CNT de Rodovias 2022

Desperdício de Diesel

Para protegerem suas vidas e resguardarem a carga transportada, os caminhoneiros acabam reduzindo a velocidade abaixo do limite da via. Isso acaba acarretando desperdício de diesel, afirmam. “Porque o caminhão tá pesado, precisa andar em marcha lenta, que gasta mais combustível, para passar pelo buraco”, detalha Ricardo.

Segundo o caminhoneiro Marco Aurélio, ele acaba gastando cerca de 20 a 30% a mais por conta da condição das estradas, por ter que desacelerar e frear constantemente devido à má condição do trecho.

Em 2022, o Brasil teve um consumo desnecessário de diesel de cerca de 1,1 bilhão de litros devido à má qualidade das rodovias. Isso gerou um desperdício de R$ 4,89 bilhões aos transportadores.

Para efeito de comparação, esse valor perdido poderia ser usado para a aquisição de quase 6 mil caminhões em EURO 6/ PROCONVE P8 ou cerca de 5,5 mil caminhões a gás. Ambas linhas de veículos sustentáveis que reduziriam os níveis de emissões de gases nocivos. Veja todos os impactos desse desperdício na figura abaixo, extraída do levantamento da CNT.

comparação entre desperdicio de diesel e custo

No gráfico abaixo, podemos observar que na comparação de desperdício de diesel, bem como o custo, por estado, novamente Minas Gerais é campeã no consumo desnecessário de diesel devido à má condição das rodovias.

Caminhoneiros reclamam do desperdício de diesel e aumento do custo operacional. Pesquisa mostra relação com a má condição das rodovias
Gráfico com base nos dados da Pesquisa CNT de Rodovias 2022
Caminhoneiros reclamam do desperdício de diesel e aumento do custo operacional. Pesquisa mostra relação com a má condição das rodovias
Gráfico com base nos dados da Pesquisa CNT de Rodovias 2022
comparação entre desperdicio de diesel e custo
Gráfico com base nos dados da Pesquisa CNT de Rodovias 2022

Qual o prejuízo para todos os envolvidos?

Além dos riscos à vida do estradeiro, a saúde financeira é igualmente afetada. Nesse último caso, tanto o caminhoneiro quanto o poder público precisam gastar para lidar com os prejuízos causados pela má condição das estradas.

Só para recuperar as rodovias com ações emergenciais, de restauração e de reconstrução, o governo e as concessionárias teriam que desembolsar cerca de R$ 72 bilhões. Já para solucionar problemas de pavimentação, aproximadamente R$ 94,93 bilhões.

Os estados com maior custo para melhorias também são os que apresentaram as piores avaliações.

Caminhoneiros reclamam do desperdício de diesel e aumento do custo operacional. Pesquisa mostra relação com a má condição das rodovias
Gráfico com base nos dados da Pesquisa CNT de Rodovias 2022

A pesquisa mostrou ainda que os custos com acidentes são maiores do que os investimentos. Até agosto de 2022, gastou-se na ordem de R$ 8,29 bilhões com esses eventos em rodovias federais. Já em investimentos, apenas R$ 3,90 bilhões foram disponibilizados. “Deveria arrumar mais pavimento, buraqueira, isso tudo mais” ressalta Marco Aurélio.

Recentemente, o ministro dos transportes, Renan Filho, anunciou R$ 1,7 bilhão de investimentos para o plano de 100 dias, que visa o avanço e conclusão de obras em diversas rodovias. O valor está muito abaixo do apontado como necessário pela CNT.

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Adriano Rocha, QRA Jegão

Por Jacqueline Maria da Silva com informações da CNT.

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