A Fenatran foi palco para pesados e semipesados adaptados à norma de redução de emissões de poluente (PROCONVE P8, EURO 6). Porém, houve destaque também para a eletrificação. Volvo, Mercedes-Benz, Iveco, DAF, Volkswagen e Jac Motors levaram caminhões movidos à bateria, mas a maioria sem previsão para comercialização no Brasil. Levantamos o cenário para os elétricos no país buscando entender se eletrificação é o futuro para transporte de carga no país.
Caminhões elétricos apresentados na Fenatran
Caminhões sem data para comercialização no Brasil
A maioria das montadoras levou veículo elétrico à Fenatran 2022, mas uma parte delas não têm previsão para lançá-los em solo brasileiro. É o caso da Volvo, Mercedes-Benz e DAF. A Volvo levou o seu FM 100% elétrico de 40 toneladas com 300 quilômetros de autonomia que é usado para distribuição urbana e regional na Europa. Por hora, a fabricante pretende testar esses veículos em transportadoras nos EUA.
O e-Actros, da Mercedes-Benz, aplicado para distribuição pesada, ganha mercado na Europa. O CEO da Mercedes na América Latina, Achim Puchert, justificou a exposição do veículo na feira como uma forma de ampliar o debate sobre esse tipo de energia renovável e mostrar aos clientes que a montadora já dispõe da tecnologia e experiência para fabricar o produto no Brasil. Entretanto, a marca da estrela deixou claro que só trará o modelo para cá quando houver infraestrutura adequada e incentivo do governo.
Já o LF elétrico da DAF, caminhão com autonomia de 350 quilômetros, lançado na Holanda em 2020, será trazido de forma estratégica ao país em um compromisso a longo prazo, segundo a montadora. No momento, a empresa quer promover a sustentabilidade no Brasil por meio da comercialização de suas linhas em PROCONVE P8.
O posicionamento da marca é semelhante da Scania e segundo Silvio Munhoz, diretor geral de operações comerciais da Scania, a eletricidade ainda não é a tecnologia para os pesados no Brasil e sim a que segue a norma de emissão de poluentes. A montadora investe nos elétricos fora do país, mas foi a única que não apresentou modelos na feira, já que seu portfólio nacional sustentável está voltado para o GNV e biocombustível.
As novidades em eletrificação para o Brasil
Outras fabricantes mostraram veículos elétricos que serão comercializados no Brasil, mas com foco em curta e média distância e aplicação urbana. A Volkswagen levou o e-Delivery, conhecido no mercado brasileiro, com novas capacidades de carga. A marca não abordou a eletrificação para o transporte de carga em longas distâncias no país.
Quem representou a Iveco na Fenatran foi o e-Daily, com previsão para vendas em 2023. O modelo atende ao chassi de van e furgão, com autonomia de 300 quilômetros. A montadora não falou em investimentos nos elétricos para médias e longas distâncias. Para essas aplicações ela lançou veículos movidos a GNV (gás natural veicular) e biodiesel.
A Jac Motors já duas mil unidades do semipesado elétrico rodando no Brasil, declara Ricardo Senda, diretor de venda de frotas da empresa. Acreditando na boa aceitação no mercado nacional com caminhão toco menor, a empresa lançou na Fenatran o pesado E-JT. Um veículo com 18 toneladas de PBT (Peso Bruto Total), carga líquida de 11 toneladas e autonomia de 300 quilômetros. As vendas começaram na própria feira com previsão de entrega para março de 2023.
De acordo com Senda, existe a intenção de trazer um caminhão de 24 toneladas para o Brasil com autonomia para rodar em curtas distâncias, sem data definida. Contudo, a montadora Chinesa, que já está na sua décima geração de elétricos na China, alerta que não é possível esperar muito da eletrificação para longas distância no Brasil.
A eletrificação cabe para a realidade brasileira?
Pela gama de veículos apresentados na Fenatran, podemos ver que existe um movimento por parte das montadoras de mostrarem seu potencial para a eletrificação no Brasil para transporte de carga, inclusive para longas distâncias. Mas por que tantos veículos apresentados e poucos trazidos de fato para serem comercializados no Brasil? Será que a eletrificação se encaixa à realidade nacional?
As montadoras atribuem a dificuldade de fabricar e comercializar caminhões no Brasil à falta de investimento em infraestrutura por parte do Governo Federal. “Na Europa e Estados Unidos funciona porque o governo subsidia […] também não sei se é prioridade para o nosso país esse apoio […], nós não somos ainda um país rico que podemos fazer essa mudança”, aponta Edgard Bertini, gerente de Marketing da Mercedes-Benz.
A E-Wolf fornece infraestrutura elétrica para montadoras como a Jac Motors. De acordo com o Co-fundador e Diretor de Marketing da empresa, Thiago Castilha, a eletrificação para rotas curtas até 150 quilômetros não só cabe, como já é uma realidade de grandes empresas do Brasil e que o problema não é apenas a infraestrutura. Para o representante, o cenário pode melhorar com governo eleito que é mais atento à questão ambiental. Mas acrescenta que o avanço dos elétricos também vai depender do investimento das montadoras em implantar postos de carregamento rápido.
Custo benefício do elétrico
Ainda segundo Castilha, os caminhões elétricos têm um custo alto para produção e aquisição, o que justifica seu “atraso” por algumas montadoras. No entanto, os representantes da Jac Motor e da E-Wolf esclarecem que o custo operacional de um elétrico comparado ao diesel é menor. Nos caminhões menores da Jac, por exemplo, a diferença de valor entre um elétrico e um a diesel é de R$ 1,30 por quilometro rodado, e até R$ 2 no de 18 toneladas, conforme testes da empresa.
Desse modo, a longo prazo, os veículos elétricos acabam se pagando, apontam os empresários. Logo, a questão do preço não seria o principal problema para avançar na eletrificação. Já para Bertini, da Mercedes-Benz, apesar do custo operacional baixo, o investimento inicial não é diluído com o tempo. Ele justifica que a eletrificação apresenta outros desafios como a pouca flexibilidade dos veículos para rodarem.
“Na operação ele não se paga […] Um investimento muito alto em infraestrutura para um veículo que vai rodar uma rota fixa […] O implemento dele também não é para todos ainda, é bem específico a capacidade de carga, ou seja, você fica muito limitado. Ainda uma tecnologia que não está madura suficiente para você poder ter um custo de operação que seja atrativo”, enumera.
Contudo, Castilha admite que futuro da eletrificação para do transporte de carga no Brasil está para curtas distâncias. Para os pesados e para as longos percursos, a curto prazo, vê potencial nos caminhões movidos a GNV e biocombustível e a médio prazo nas células de hidrogênio.
Desafios para os pesados e para longas distâncias
Senda também acredita que o futuro dos elétricos, hoje, é para curtas distâncias, com autonomia para cerca de 300 quilômetros, onde é possível calcular um tempo de ida e volta sem ter que recarregar no meio do percurso.
Capacidade de carga e autonomia
No caso dos pesados e para longa distância existem outros fatores que devem ser levados em consideração, segundo Ricardo Senda, da Jac Motors e Edgard Bertini, da Mercedes-Benz. “Você não consegue ter a autonomia que você tem hoje com o diesel em que consegue chegar, não sei, lá quase mil quilômetros. O elétrico a gente conseguiu agora na Europa alcançar 500 km, mas carregando 40 toneladas”, aponta o representante da Mercedes.
Senda explica que o ganho de autonomia exigiria maior número de baterias, comprometendo a capacidade de carga transportada pelo caminhão e o processo logístico pelo tempo de carregamento. “Você acaba carregando tanta bateria que não vai ter literalmente carga liquida para levar produto, além disso demora mais para carregar”.
Tempo de carregamento
Bertini chama atenção para a diferença de um caminhão a diesel que demora 10 minutos para abastecer, em relação ao elétrico que leva horas. Para ele, a tecnologia disponível hoje para o elétrico leva tempo e seria necessário um investimento alto em supercarregadores.
“Ficar com um caminhão desse parado mais de 15, 20 horas para fazer um carregamento[…]que chega a ser até 5 vezes mais que um caminhão pequeno nosso elétrico, é inviável”, confirma Senda.
O executivo explica que o modo de carregamento rápido só está disponível para os semipesados de sua marca. Para os pesados ainda é o carregamento lento, pela alta demanda de bateria. Nesse sentido, a infraestrutura nacional ainda é precária para atendê-los.
“Praticamente, a gente ainda tem que carregar dentro de casa, dentro da empresa pra fazer esse itinerário e ter bateria de sobra pra voltar. Se for depender de eletropostos na rua, corre o risco de ficar sem bateria. Além disso, em questão de logística não tem condição de ficar duas ou três horas esperando um caminhão carregar”, esclarece.
Mitos sobre a eletrificação
Castilha aponta que existem mitos relacionados aos custos do elétrico como a troca da bateria do veículo, sua vida útil e o descarte. Esse desconhecimento acaba interferindo também na evolução dos elétricos no Brasil. Ele cita que, por exemplo, muitas pessoas acreditam que quando um caminhão elétrico apresenta algum problema é preciso trocar a bateria.
Conforme esclarece, a bateria é como uma colmeia cheia de pequenas células, quando diante de algum problema, apenas a célula é trocada. Outro ponto é que a bateria tem uma média de 3 mil ciclos de uso, ou 600 mil quilômetros de rodagem. Isso representa uma durabilidade em média de 8 a 10 anos, dependendo do uso.
Quanto ao descarte, após o uso nos veículos, a bateria tem uma segunda utilização para armazenamento de energia (power bank) em residência e empresas que pode se estender até 20 anos. Já no terceiro ciclo, ela pode ser remanufaturada. “Isso muda custo, e tem todo um programa de uso da vida útil dela, além de empresas que já fazem esse trabalho”, acrescenta Castilha.
Seja elétrico ou não, o futuro do transporte de carga no Brasil é sustentável
Apesar do futuro da eletrificação para o transporte de carga não ser ainda visto como uma possibilidade para pesados e longa distância, a evolução dos veículos de carga, como um todo, no Brasil seguirá um rumo sustentável, afirmam os entrevistados. No Brasil, o cenário dos biocombustíveis, sobretudo o etanol, abre caminho para esse avanço, inclusive quando o assunto é célula de hidrogênio.
“Talvez para raios maiores o ideal não seja o elétrico, mas o a gás e o hidrogênio. Ele vai vir mais forte nos pesados. É uma solução muito boa porque a eficiência do hidrogênio é alta e o impacto ambiental muito pequeno”, acrescenta Castilha.
Hidrogênio e Biocombustíveis
A Volkswagen lançou, na feira, VW Meteor Optimus 29.530, movido a HVO (Hidrogênio Verde), sem detalhes sobre sua comercialização no Brasil e no mundo. Segundo a montadora, esse combustível alternativo ainda não é produzido em larga escala no Brasil, mas tem sido apontado como promissor para a matriz energética nacional. Ainda, durante a feira, a montadora revelou que está fechando parcerias para o fornecimento de soluções de carregamento do e-Delivery e energia solar.
Já a Iveco lançou o programa Natural Power que, além do e-Daily, inclui as versões do Tector, 350 quilômetros de autonomia, e o S-Way, 500 quilômetros de autonomia. Os dois lançamento movidos a GNV e biodiesel. Além disso, revelou que explora o desenvolvimento de caminhões movidos a HVO e já possui um protótipo de um pesado movido à célula de hidrogênio em parceria com a Hyundai.
No caso da Scania, a marca reforçou o uso de HVO no mercado externo, que ainda tem um custo elevado. Já aqui no Brasil as fontes dos biocombustíveis favorecem o investimento nos veículos movidos a GNV e biodiesel, mercado para o qual já possui portfólio e pretende manter, assim como os que seguem o PROCONVE P8.
A pressão por energia limpa para transporte de carga
Segundo o representante da E-Wolf, o mercado sustentáveis no Brasil pode trazer surpresas, e tende a avançar devido a pressão pela redução das emissões. Ele cita a prefeitura de São Paulo que determinou a aquisição de frotas de elétricos nos coletivos a partir do ano que vem, cumprindo o acordo de Paris.
O diretor de marketing, que trabalhou por 20 anos na área do petróleo, acredita que os veículos que seguem o PROCONVE P8, tendem a ser substituídos pelos de combustíveis alternativos por uma questão econômica. Primeiramente porque 70% do diesel é importado, enquanto o Brasil é líder em energia renovável. “Célula de etanol é uma realidade futura para o Brasil e somos um pais que está investindo muito em painel solar”.
Outro ponto, explica o empresário, é que investimento em refinarias de petróleo no mundo está diminuindo. “Construir um poço novo, uma refinaria é um ciclo de 10 a 15 anos […] o vai acontecer é que o combustível fóssil vai ficar cada vez mais caro e isso vai impulsionar os combustíveis alternativos […]”.
Edgard Bertini, da Mercedes-Benz, sinaliza que o futuro das normas de emissão tem sido discutido na Europa e por lá não se sabe ainda se chegarão ao EURO 7. A migração por lá é forte na questão dos elétrico com busca pela redução do CO2 e eficiência energética.
No Brasil ele também aposta no etanol e hidrogênio. “Eu vejo que a gente tem um caminho que pode ser biocombustíveis, que captura o carbono como planta, digamos assim, e depois emite quando roda, mas esse ciclo se fecha”,
Para Castilha, embora os caminhões com combustíveis alternativos sejam um pouco mais caros, a corrida pela sustentabilidade acaba sendo uma maratona, o que torna inevitável essa evolução.
Transporte de pessoas com ônibus elétrico
Por Jacqueline Maria da Silva com informações da Fenatran e entrevistas.